Estou no banho e meus braços se
movem automáticos. Penso em tudo. Penso em tudo? Tudo que sei é tudo? Ou tudo
que sei é só tudo que sei? Ou tudo é tudo que sei e apenas isso? Ou sei menos
que tudo? Ou tenho a impressão de tudo, ainda que não saiba tudo, por não saber
mais e parecer tudo bem amarrado?
Às costas vão e esfregam
vagarosamente, depois de terem atacado o pescoço de todos os lados. Lados. O
que são lados? Perspectivas de um mesmo objeto, ou objetos inteiramente novos?
Ou parcialmente novos? E qual o ponto de diferenciação entre inteiramente e
parcialmente? E onde ficam os lados? Ficam em mim? Ficam no objeto? Ficam no
mundo que intermedia e acomoda eu e o objeto?
Descem por si mesmos e arranham um
pouco, porque não controlo a força. E o que é controlar? Não controlo nem meus
pensamentos, estas dúvidas que me abordam indistintamente, como se eu soubesse
tudo. E sei tudo? Então por que não as consigo responder? Há um buraco no meio
de tudo? Ou tudo é inteiro e contínuo e completo? E se for inteiro, isso é bom
ou ruim?
Agora descem pelo peito, barriga, um
pouco mais de cuidado no umbigo, ele não tem bom cheiro; umbigo de ninguém tem
bom cheiro. Bom ou ruim, atribuições humanas ou propriedades inerentes à
existência? E se são propriedades, então não existem? Ou propriedades existem?
Então adjetivos existem? Existe bonito, portanto, ou é apenas uma qualificação,
uma classificação, uma propriedade que, per
se, inexiste, dependendo sempre de sua posição associativa?
Dirigem-se às pernas, longamente
acompanhando sua forma estendida e peluda. O que é associação? O que é
propriedade? O que é posição? Seria uma pós-ição?
Içar algo depois? Mas depois de quê? Depois da própria coisa? Se assim for,
então a posição já está içada, dada, fornecida, posicionada. Se não for assim,
então quando se posiciona a posição?
Agora os pés são limpos, numa
posição estranha, suspendendo-os e me segurando na parede com a mão livre.
Quando é uma palavra curiosa. Quando o quando acontece? Quando digo? Ou quando
de fato ocorreu no mundo (aquele, que intermedia e acomoda eu e o fato ocorrido)?
Quando é quando?
Termino jogando a espuma embora,
parado sob a água, sem deixar molhar os cabelos, ainda que o pescoço molhe
todo. E quando é que o pescoço começa e acaba? Quando o tempo se divide em
fatos? Ou os fatos são contínuos? O que são fatos? São o que se passa no mundo
(aquele, você sabe bem qual)? Se te digo algo, então o que disse aconteceu?
Porque eu te dizer aconteceu no mundo. Se não, então o que são fatos e o que
não os são? Qual a distância, qual o momento do corte que separa?
Giro com a canhota, enquanto a
destra desce a toalha que esfrego pelo pescoço. Essa toalha existe? Esse banho
aconteceu? Qual o critério de fato e de existência? Se for o simples acontecer
no mundo, então eu dizer que não existem ou aconteceram seria – sempre –
produzir um contrassenso, uma vez que posso dizer tudo. Ou não se pode dizer
tudo? Então qual a fronteira, qual o limite de tudo? E como, se estou para
dentro do território dessa fronteira, saber que aquela é a fronteira, se jamais
passo dela? E se posso estar fora dela, então não há um tudo, porque há um fora
do tudo que me permite estar ali para averiguar?
– Ah, olha só! Já deu a hora, preciso escovar
os dentes e ir dormir – disse a mim mesmo, ainda nu, agarrado à toalha, já
seco.
Muito bom o texto, amigo. Continue escrevendo assim!
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