O ser é um efeito de discurso entre outros, e a ontologia
é uma vergonha [honte, donde hontologie], a não ser que tomemos a ontologia
como hantologia, um saber dos espectros, ou, em outras palavras, daquilo que
se diz e permanece esquecido atrás do que foi dito naquilo que se ouve, o que,
em última análise, retrai-nos à questão da aisthesis, palavra digna de figurar, de
fato, com destaque em um dicionário dos intraduzíveis.
A aisthesis é um derivado de aisthanomai [αἰσθάνομαι], e, como tal, configura
um conceito altamente equívoco. Depende de suas relações. O verbo aisthanomai
provém de ἀΐω, e este do sânscrito avih [आविस्], como o latim audio,
ou seja, significa ouvir, escutar e, menos frequentemente, obedecer. Usado com
genitivo aponta a fatos sensoriais (exceto a visão) e se poderia traduzir como
perceber. Com objeto em acusativo, significa compreender. E com genitivo de
origem, quer dizer tomar conhecimento por meio de alguém, vir a saber, através
de uma língua, por exemplo. A tradução mais comum do verbo aisthanomai,
ou seja, sentir, tem, por outro lado, inicialmente, o significado de perceber pelo
odor, ou inclusive exalá-lo, o qual mostra que, na aisthesis, há fusão de sujeito e
objeto, algo que se comprova além disso no deslocamento de aisthesis a nous,
quando traduzimos o conceito como sensus. O termo grego nous (inteligência,
espírito, mente, sagacidade, sabedoria, alma, intenção, desejo) nos conduz ao
paradigma da visão, já que o verbo latino intueri (ver) recupera a matriz visual
de teoria, o species. Aisthesis, no entanto, mostra uma sensibilidade de downcast
eyes, para retomar o conceito de Martin Jay, do qual concluímos que, substituir
a mimesis pela aisthesis nos abre um campo muito complexo de relações.
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