quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Final de "Pequeno manual de inestética"

3) A FIDELIDADE

a) Negativamente, o poema esboça uma teoria completa da infidelidade. A sua forma mais imediata é a memória, a infidelidade narrativa ou histórica. Ser fiel a um acontecimento não quer nunca dizer que dele nos recordamos e significa sempre, em contrapartida, os usos que se fazem do seu nome. Mas, para além do perigo da memória, o poema expõe três figuras tentadoras, três formas de abdicar:

— A identificação com o lugar, ou figura do êxtase. Abandonando o nome supranumerário, essa figura abole o sujeito na permanência do lugar.
— A escolha do simulacro. Aceitando que o nome seja fictício, essa figura preenche o seu vazio com uma plenitude desejosa. Desde logo, o sujeito não é senão a onipotência ébria, em que o pleno e o vazio se confundem.
— A escola dum nome imemorial e único, que suplanta e esmaga a singularidade do acontecimento.

Digamos que o êxtase, a plenitude e o sagrado são as três tentações que, do interior dum surgimento fático, organizam a sua corrupção e denegação.

b) Positivamente, o poema estabelece a existência dum operador de fidelidade, que aqui é o binômio das hipóteses e da dúvida que as afeta. A partir do que, se compõe um trajeto aleatório, que explora sob o nome fixo toda a situação, experimenta, ultrapassa as tentações e termina no futuro anterior do sujeito em que esse trajeto se transformou. Os tipos de trajetos aqui tomados em consideração relevam, quanto à determinação do «eu» atormentado pelo nome «essas ninfas», do desejo amoroso e da produção poética.

Do desejo que se liga ao nome daquilo que desapareceu, depende que, revogado esse desejo, um sujeito seja urdido por essa verdade singular, que ele fez surgir sem o saber.

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