Boca sem fome. Fome sem boca. Desejo. |
Há um fenômeno contemporâneo que quero explorar aqui, evocado em mim por essa boca, digo, por essa foto. Trata-se da sedução: quero crer ser uma malignidade, uma maldade por excelência. A sedução é uma sobreposição (uma simultaneidade: um odio, enemistad, rivalidad, competición, mas competição de que, meu Deus!? Falaremos disso logo) de ausências. "Sobreposição de ausências? Estás louco, homem!? Acaso endoideceste? Ora (direis) ouvir estrelas! Certo perdeste o senso!" Não, mes amis, je ne suis pas fou. O que se passa é que há uma boca ausente em seu lugar e uma fome ausente em seu lugar, duas ausências num só lugar (seria isso uma frase de promoção? Sintomático, a lógica vigente opera através da sedução [e de outros dispositivos, é óbvio] e também da fome). A boca se ausenta pelo escamoteamento (planejado) da animalidade constitutiva do homo sapiens, exatamente a operação que sinaliza (a tentativa d)o início do humano (a tentativa de eliminar o animal humano e instituir o humano puro, daí todo pós-humanismo e trans-humanismo não passam de humanismo elevado a qualquer potência maior e a ecologia é um dos terrenos privilegiados do não-humano, quer dizer, da real saída do humanismo, um dos últimos refúgios do [verdadeiro] pensamento). A fome se ausenta pela (constituição do e) servilismo ao desejo (pela antropofagia simbólica constitutiva da sexualidade [feminina? A 'gina enquanto boca devorando o falo] e da cópula→sintomaticamente o nome técnico dos 'verbos de ligação'→cópula, copuladores, não apenas ligadores [lembremos Lacan: il n'y a pas de rapport sexuel→"não há relação sexual" como se costuma traduzir, não há completude, completação, ligação, vinculação←gosto como -ação emerge vez e outra, pulsando incontinente], senão devoradores, sexuadores, são operadores de sexuação, a divisão, a separação, o split constitutivo de todo liame, a [in]cisão de/do um produzindo o múltiplo, o gesto deflagrador do pensamento, daí a emergência da[s] verdade[s], são bactérias, vírus linguísticos incômodos, mas como me dizia um amigo antropólogo: "o que fazer com os índios que não têm o verbo ser?", boa pergunta, não consigo sequer imaginar como eles imaginam, como eles pensam, mas devo pensar para chegar lá, à altura deles). Desse modo, a sedução é uma malignidade, uma crueldade por excelência: não é boca animal (caminho inevitável da excrescência, o outro do ânus e o outro, sabemos, sempre constitui o eu, evoca-o pelo avesso, neste caso quase literal) que tem fome de carne sangrenta, de talo vegetal crocante, ou de sucos frutíferos, apenas uma boca de enfeite, querendo comer apenas o que não pode, o que se lhe impede, o proibido, não proibido por lei e decreto, afinal, não se trata de devoração digestiva, empírica, literal, quer dizer, é literal porque é de littera, de letra, de signo, de símbolo, de sentido(s), de experiência, de vida, é devoração semantont(ic)ológica (semântico-existencial, semântico-Real). Daí a sedução (seducção? Ducere ad se? Ou ab se? Levar a si, ou afastar de si? Os dois, talvez? Ou nenhum?) ser um simultas: ela diverge a atenção pela produção de ódio, ou diverge ódio pela produção de atenção, não importa, importa saber ela ser feita para seduzir os não-padrão (ou não-padrões, tanto faz, non-standard também non-default). 'Duzi-los ab se, fora de si mesmos, de suas preocupações (relevantes) e ad se, a si mesma, em direção à sedução ela mesma, claro, no processo (dialético) o movimento se repete, ad se, para dentro deles de maneira ruim, improdutiva e ab se, para longe da sedução como ela de fato é, apenas para como ela quer ser vista, como ela se faz sentida, não quem ela é realmente. Eis um pensamento!
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