Dizer o que
é literatura, defini-la, é um dos maiores problemas sobre o qual ainda reflito.
De algum modo deve ser possível, sim, definir e conceituar literatura, ainda
que seja uma definição temporária e presa a seu tempo de concepção. Tratar do
que é literatura é, também, ditar suas características e limites, ou seja, sua
extensão e suas fronteiras. É certo que a definição proposta aqui é
historicamente associada, ou seja, influenciada pelos padrões estéticos de seu
tempo – como também intimamente ligada à minha construção individual e à minha
personalidade. Posto isso, podemos começar.
Há muito se
fala de literatura, texto literário, como textos escritos de alguma forma, ou
com algum conteúdo, que os torna literários. Há bastante consenso sobre grande
parte daquilo que é tido por literário, ainda que isso não seja universalmente
válido. Ao longo da história, mais e mais escritos e escritores foram –
continuam sendo – adicionados ao que é tido como literatura; dessa forma se vê
que o prosseguimento histórico e a revisitação de textos do passado forma, pelo
menos, parte do que é a literatura. Vê-se, portanto, que a valoração associada
a cada época dita, pesadamente, o que é tido por literário, assim, também, faz
crer que a literatura se associa, de alguma forma, em sua contemporaneidade com
suas formas do passado, seja pela estrutura ou conteúdo. Essa relação dialogal
com o passado demonstra que há alguma característica das obras literárias que
se preserva ao longo do tempo. Chamaremos a essa característica de
“literariedade”.
Sabemos
agora que para identificar se algum texto é literatura ou não basta encontrar
nele a literariedade. Isso parece facilitar a questão, ainda que não tenhamos
feito muitos avanços. No que diz respeito à literariedade, como definida no
parágrafo anterior, pode-se pensar de várias maneiras sobre ela; uma dessas
formas falaria, suponhamos, das formalidades estéticas do texto, pode-se
contra-argumentar apenas citando Eneida e Dom Casmurro, obras que são
igualmente literárias, jogando por terra a tese da semelhança estética. Alguém,
então, questionaria se não é o conteúdo do texto que faz nascer a
literariedade; novamente as duas consagradas obras são o contraexemplo. Outro
poderia questionar se ao é o gênero o fator determinante e, mais uma vez, o
exemplo que foi feito acima serve e é suficiente para negar a hipótese.
Nenhuma das
concepções anteriormente expostas é satisfatória perante a demanda
universalista e unificadora do conceito de literariedade, mesmo por existirem
diversos contraexemplos. Contudo, de maneira diferente, alguém, é bem possível,
falasse do prestígio do autor literário para definir uma obra como tal; isso
seria um contrassenso duplo, primeiramente porque, dessa forma, as obras
iniciais – de quando o autor ainda não era conhecido e reconhecido – não fariam
parte da literatura; em segundo lugar, porque é a obra literária que confere ao
seu respectivo autor a característica. Isso nos leva à reflexão final.
Como
exposto acima é o texto literário que, enquanto tal, dá ao escritor a
literariedade, portanto também à obra dele; aqui alguém poderia, deveria
questionar se não é, portanto, o leitor que confere e concede a literariedade a
cada texto. O questionamento é válido e dificilmente apresenta contraexemplos.
Frases do cotidiano, da conversa informal, viram poesia nas redes sociais.
Obras contemporâneas atraem mais a atenção do grande público que os chamados
eruditos. Fica evidente que o leitor agora exerce papel fundamental em achar ou
conceder a literariedade àquilo que preferir. É certo que muitas convenções e
consensos perduram, tal é a raridade em se encontrar alguém que leia A Origem
das Espécies pela “prosa poética” de cada parágrafo e apontamento. Isso é
ótimo, pois mantém alguma semelhança entre autores e obras, alguma linearidade
à literariedade; torna-se ruim quando não permite o questionamento e a adesão
de novos autores e obras a toda essa história.
Essa foi
minha trajetória pessoal e minha definição do que é literatura, aonde cada
indivíduo determina, para si, o que é literário, com seus gostos pessoais e
suas noções sócio-histórico-culturais. A questão sobre a qualidade da
literatura, todavia, se boa ou ruim, é tema para outro texto, mas deixo avisado
que não a vejo como tão aberta a livre, como tão pessoal quanto a
literariedade.
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