terça-feira, 3 de outubro de 2017

Possibilidade, promessa, (in)consequencialismo e autossubjetivismo


Dentro de uma conversa onde eu convergi as noções de promessa e possibilidade, ou, mais especificamente, futuros possíveis a partir de relacionamentos humanos e suas atitudes, perguntaram-me: "qual o sentido de fazermos uma promessa pro futuro se estamos em constante mudança?" – A isso, antes de elaborar uma resposta para essa pergunta em específico, no transcurso da conversa, comentei que promessas fazem mais sentido que "meras possibilidades", pois podem não ser cumpridas, mas permanecem mais humanas que simples possibilidades, mais honestamente humanas, menos pretensamente neutras, ao que a pessoa acrescentou: "Podem não ser cumpridas, mas isso não as torna incertas. Seres humanos são incertos. Sabe, as falhas humanas não alteram o sentido de "promessa"". Então a pessoa emendou mais uma sequência: "se estamos em um relacionamento e te prometo ficar pra sempre, ok, há uma promessa. Se não, não existe esse compromisso. Nem vejo sentido pra existir, sou bem mais algo verdadeiro que eterno. É um pensamento bem simples, na verdade. Detalhe: não existe compromisso com essa tal eternidade. Não torna o relacionamento menos valioso, diria até que é mais realista. Que não seja eterno, posto que é chama."

Aqui quero tomar dois rumos: 1) responder à pergunta específica de por quais razões convergir promessa e possibilidade (de futuro); 2) argumentar brevemente como o encerramento ("não existe compromisso com essa tal eternidade / [isso] não torna o relacionamento menos valioso [...]"). Sigamos em ordem inversa, portanto: essa argumentação falida é apenas uma tentativa da comunicante de livrar-se da responsabilidade ético-moral que lhe recai por fatos passados que vivemos num relacionamento nosso. Jurar algo e não cumpri-lo constitui, sim, defecção (simultaneamente abandono e falta, como a palavra indica). Portanto trata-se de mero inconsequencialismo, tentativa falida de "limpar a barra" de histórias passadas concreta e evidentemente mal vividas, em/com defecção. O erro ético-moral de si (e, portanto, o autossubjetivismo) tomado como paradigma avaliativo é só uma estratégia argumentativa (obviamente falida) de justificar a própria vida em erro. O erro fundante aqui, ou fundamental se assim se preferir, é a desresponsabilização (da/sobre a própria vida) – essa "fenomenologia barata" que leva (não "levará", mas já leva) a uma flutuação pretensa e falsamente infinita da personalidade (dos gostos, das atitudes, a "liberdade" [na verdade libertinagem], das escolhas) na verdade só esconde um desejo por customização infinita e irrestrita que oculta uma ausência quase completa e total de resiliência perante a adversidade, desejando e esperando que o mundo se conforme aos caprichos do eu pós-moderno confuso e liquefeito.

Respondendo à pergunta específica e firmando o primeiro ponto: o sentido de convergir ambas as noções é: toda atitude humana – toda em sentido forte – é uma atitude ético-moral, i.e., decide por um futuro dentre todos os [futuros] possíveis. E todo ser humano – ou pelo menos a vastíssima maioria que não sofre de lesões cerebrais, ou problemas de neuro-psico-desenvolvimento, etc. e tal – tem a capacidade de compreender isso, portanto de viver de acordo com isso [nota 1]. Assim sendo, toda atitude é sempre uma promessa. Desresponsabilizar as pessoas nesse sentido, nessa dimensão, gera uma série enorme de problemas com os quais já estamos lidando hoje [pelo menos alguns deles], desde surtos de suicídio, até problemas ecológicos [nota 2], passando por terrorismo, subempregos e desemprego, culto à celebridade, banalização da violência, consumismo, efemeridade das relações, entre outras coisas.

[nota 1: eu chamei 'saber' na primeira versão da resposta; aqui já chamo 'isso' para não me avançar demasiadamente, ainda que não sinta problema algum, em chamar logo 'verdade'.]

[nota 2: originalmente: "problemas ecológicos de larga escala", mas compreendi que todo problema ecológico é de larga escala. Em verdade, a ecologia tem provido boa parte do meu pensamento contemporâneo, ou da minha revisão do meu pensamento que culmina em sua versão contemporânea.]

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