O símbolo e a alegoria não diferem por aquilo que representam, seus objetos, a ideia no símbolo e o conceito abstrato na alegoria. Diferem no modo de representar, na maneira de expressar seus objetos. O símbolo visa ao instante místico de união entre representante e representado: o crucifixo é apenas uma escala reduzida, uma miniatura, da cruz em que Jesus foi morto. Essa relação de ícone ou índice esconde, sob uma fachada de simplicidade, uma complexidade de referências, lembranças, etc., que se acumulam historicamente naquele instante, densificando-o. Contudo, dadas essas condições, a identificação — a compreensão — é instantânea: crucifixo→cristianismo. Trata-se de uma expectativa da união mística — presença do sentido (como presença) — no liame entre representante e representado: a (suposta) imediaticidade do sentido (que é muito mediado). O crucifixo, é claro, evoca a história da redenção (a paixão de Cristo) e a redenção da história (o perdão de todos os pecados, a salvação). Essa condensação de significados (e histórias) num único símbolo cujo reconhecimento (dada a familiaridade) é rápido (devido à sua estrutura icônica ou indexical) produz a sensação (ilusória) do instante saturado, preenchido ao máximo, contendo toda a história (toda futuridade do futuro) em si.
A alegoria desacelera o instante de adensamento e transformação da história (mundana) do símbolo e contempla tudo numa tal lentidão que os liames parecem perdidos, tudo parece arbitrário, desvinculado de toda relação. Como a alegoria não se vale de qualquer (pretenso) naturalismo entre representante e representado, pode se valer de figuras concretas, como Virgílio e Beatriz em A divina comédia. Por isso a alegoria não se reduz à expressão convencional, mas é também e importantemente a expressão da convenção, a representação da convencionalidade. Como a expressão alegórica toma por seu objeto a convencionalidade, a insignificância e a indiferença aparecem em seu funcionamento, pois a convenção mesma é expressa, significada. Devido a seu uso de materiais concretos para fins alheios a si mesmos — o entendimento comum da alegoria como metáfora estendida ou prolongada —, a alegoria destrói para construir algo novo, diferente, com as ruínas do velho, do destruído. Como a alegoria constrói com os materiais destruídos, manipula-os, rearranja-os, resta sempre impressão (nos dois sentidos) da construção. Assim, a alegoria expressa a própria forma da interpretação: remeter a outro, impressão da construção, rearranjar ruínas. E a história, quando adentra a alegorese, já não é mais economia da salvação, história de futuro certeiro, isto é, não-história, mas, agora, sim, finalmente é história, pois a historicidade — futuridade do futuro — está viva e ativa.
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