Disseram-me hoje ser possível manter um diário sem escrever diariamente. Foi como dizerem que me amam. Palavras suaves e doces — alívio. O que livra do peso, liberta da obrigação respeitando a vontade, banha feito bálsamo.
A vontade, claro, não é medida adequada às coisas e à vida. Pelo contrário, como a vontade varia, não pode medir nada, porque a mensuração variará conforme a vontade e nada terá forma, desenho, contorno, limite.
Por isso pergunta-se: por que gostar das coisas? Por que aceitar a vontade? Parece-nos o maior prazer da vida segui-la quase cegamente, mas isso só levará a ruína sobre ruína, numa gigantesca catástrofe sem volta e sem conserto. A vontade parece um redemoinho diabólico soprando tudo em todas as direções simultaneamente.
Querer demanda recortes muito estreitos para fazer sentido, para comportar-se conforme exige a vida coletiva, o hábito gregário, a sociedade, as regras do convívio: isso é violento, na medida idêntica à desmesura do desejo e do anseio. Ninguém gosta de ser violentado, contudo. Não importa a quantidade de razão concedida ao processo, permanece desagradável. Moldar a personalidade para gostar de ser cortado, todavia, resultaria em apreciar a automutilação, o que é evidentemente negativo. A vontade, assim, mostra-se um limite da decisão, portanto da vida. Aquele ponto extremo — para o subjetivo, a experiência, a interioridade — em que se resta sem saída satisfatória. Não há o que pensar ante a decisão. Decidir: morrer e matar em um só gesto.
Entretanto, viver ao sabor da vontade seria não viver, senão subjugação a sua revoada ininterrupta. Sem projeto, sem objetivo, torna-se impossível viver. Seu sopro multidirecional impede qualquer construção; apenas quando canalizado e unificado serve à alimentação vital, necessária à expansão salutar do ser.
Portanto: como viver? Trezentas e tantas palavras para não saber responder à questão mais concreta, terrível e sincera de todas. Esperamos alguma resposta agradável se desenhe no horizonte do ano que se inicia.
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