Aqui vão sete questões com as quais não devemos nos importar no primeiro rascunho (também chamada primeira versão) de nossa escrita.
- Qualidade
Não precisamos escrever, de primeira, com o vocabulário mais adequado ou a melhor construção frasal. Ao contrário, tratando-se do primeiro rascunho, devemos apenas colocar as ideias para fora e isso basta. Sim, entramos a escrever porque nosso gosto é afinadíssimo, contudo agora não é momento para aplicá-lo. Toda primeira versão é lixo – lembremos sempre dessas palavras de Hemingway. Notemos bem: a primeira escrita não presta e que isso fique claro! Reescreveremos e será um momento tão interessante quanto o gesto inicial. Lembremos: o primeiro rascunho é, no pior dos casos, a pior versão do escrito.
- Dicção e estilo
Já conversamos sobre dicção e estilo noutros momentos. Precisamente: o momento para determinar o tom, a voz, as preferências lexicais e as estruturas sintáticas não é o primeiro rascunho. Ignoremos de todo esses elementos e apenas despejemos as palavras feito metralhadoras cuspindo chumbo quente. A primeira versão serve para revelar a obra que virá quando, nas revisões posteriores, o artista aplicar-se com afinco ao detalhe.
- Estrutura
Fascina, sem dúvidas, um texto com boa arquitetura, bela estrutura, todas as partes no lugar. Todavia, é impossível planejar a estrutura sem construí-la: mãos à obra. Alguns furos aparecerão aqui e acolá, em futuras revisões (e edições estruturais) corrigiremos essas ranhuras naturais da superfície textual primeira. Escrevamos como nos sentirmos mais confortáveis para tal, seja no fluxo caótico das ideias, seja na ordem prescrita ao texto por nós mesmos. É bastante comum alterar a estrutura em reescritas posteriores, a fim de manipular as expectativas do leitor ou visando a outra qualidade do texto. Joguemos areia no terreno para, depois, construirmos nossos castelos.
- Descrição
Falemos da microestrutura do texto: se descrições não fluem naturalmente de nossos dedos, deixemos para depois. É possível procrastinar ao aperfeiçoar descrições no momento errado. Mais tarde, nas releituras e edições, reescritas e modificações, perceberemos os benefícios da ausência estratégica de descrições. O primeiro rascunho é um esqueleto, a carne vem depois.
- Tema
Temas são, indiscutivelmente, o fator de maior fascínio da leitura – especial atenção quando se trata de ficção. As relações com a vida, com a experiência, com a morte, o tempo, as relações, tudo isso é fascinante e instiga nossa leitura de tantas escritas encontradas mundo afora. Entretanto, não nos preocupemos com nossos temas na primeira versão, corremos o risco de forçar temas onde e quando não convêm. Como diz a dica de Bernard Malamud: no primeiro rascunho descobrimos sobre o que falamos. Depois os temas virão.
- Detalhes
Ignoremos os mecanismos de pesquisa e a proliferação de abas de navegador. Ignoremos a pesquisa, fizemo-la durante o planejamento exatamente para separá-la da escrita. Não é hora de escrever certo, é hora de escrever.
- Seguir o planejamento à risca
Entendamo-nos bem: planejar é necessário. O planejamento auxilia sobremaneira na escrita turbulenta e difícil da primeira versão. No entanto, seguir uma estrutura pré-planejada com excessivo rigor desestimula a criatividade e arruína a escritora fluidez. Estejamos abertos para a alegria da experimentação, o prazer da descoberta. Se a escrita toma outro rumo, diferente do planejado, arrisquemos. Por que não? Acaso o insucesso nos vença, o planejamento nos aguarda, firme como sempre. Como disse Terry Pratchett: o primeiro rascunho compõe-se apenas de você contando sua história a si mesmo.
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