Canto do bar; Laila; sapatilha no chão acompanhando o ritmo.
Nada agradável: ritual semanal. Como conseguir parceiro?
Necessário, sem dúvida, um parceiro.
— A vida só é boa a dois. — Diz mamãe.
Ninguém interessante, sem olhar, coração inerte; lentidão em que as damas repousam braços sobre ombros de cavalheiros e rostos se aproximam: colisão de lábios, umidades reconfortantes.
Impasse a resolver? Construir fortaleza interna; dar as mãos ao desconhecido. Vida novamente? Se falta vida, como viver?
Assusta-se com o moço de topete contemplando-a, rosto apoiado na mão, cotovelo sobre a bancada.
— Não quis… — Voz suave.
Inclina a cabeça adiante, ele corresponde. — Não, tudo bem. — Boca aberta: susto; transmutação: sorriso.
Sorrir, sabia?
— Daniel, prazer. — Mão (tão macia quanto a fala) tocando braço, apoio para encontro boca-bochecha.
— Laila, prazer. — Sorrir, sabia.
Por que ele, semblante alegre sem exibir dentes, rosto pacificado, olhar descansado? Consegue acolher o mundo, parece, abraçar, beijar a fronte, fazer cafuné.
Projeção, sim, a terapeuta disse, tudo. Pro-je-ção.
— Gosta daqui?
— Ah! Sim. — Cabeça interrompida em seu trajeto, pescoço rígido. Silêncio. — Bem, na verdade, não sei dizer. — Olhar para aonde? Certeza: não o contemplar.
— Tudo bem. — Suspirado. — Perguntei porque te vi algumas vezes aqui. — Olhar dele sobre si. Encará-lo? Barreira…!
— Então… Eu sento aqui quando venho. Gosto daqui. — Voltar rosto para o dele; amabilidade extraída a custo.
— Ninguém se senta aí durante a semana.
— Será? Como sabe disso? — Pontos se ligando: constelação incerta.
— Também venho aqui… Com mais frequência do que gostaria.
— Temos isso em comum?
— Diria que sim.
Ele encara o chão; observava as sapatilhas? Surpresa. — Não pela razão que imagina.
— Como sabe o que eu penso?
— Não sei, mas presumo.
— Então por que é, se não é por isso?
— Trabalho aqui. — Sorriso de boca enluarada; respiração diferente. Risada sufocada? Olhos nos dele: luta imensa; fitava-a decididamente. — Foi o que consegui ao sair de casa. Sabe como é, família, sangue quente, essas coisas.
— Devo saber… — Como a mão, ali? Recostar mão em mão alheia? Os dedos dele, assim, movimentos regulares, calmos, imperceptíveis. Aconchego?
— Não chega a dar um roteiro de cinema. — Mesma mudança de fôlego. Gracejo?
Ela retira sua mão debaixo das carícias da dele, volta seu rosto para sua bebida. Encontros braços-bancada e taça-boca.
— Perdoe, não quis importunar. — Levanta, alisa paletó, emborca o uísque. Prestes a partir? Gesto: retirada do chapéu que não traz à cabeça. Ela lhe toma os dedos da destra e os entrelaça aos seus. Fica:
— O paraíso… Existe? — Dela, perfura-lhe, o olhar.
— Num encanto desconhecido e inexplicável. — Aproxima-se, acolhe-a, braços cobrindo-a quase inteira.
Ela, cabeça apoiada em seu peito. Murmúrio. — Também te vejo. Sempre.
Luzes frenéticas, dança intensa, no ritmo agitado da canção da moda.
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