Foi o gênio de Averróis que produziu a teoria da recepção (e, por isso mesmo, do meio) mais desenvolvida. A recepção, escreve Averróis em uma fórmula difícil e ao mesmo tempo muito profunda, não é senão uma forma particular de paixão que não implica uma transformação [passio sine transformatione]. Quando uma forma entra na espessura da matéria do seu receptor, ela muda e também faz com que ele mude, transforma-se e transforma: nesse caso, trata-se de uma transformação. Dizendo de modo técnico, chama-se recepção toda paixão não transformadora. É muito simples: um espelho é afetado por uma imagem sem sofrer uma transformação. Mas também é uma ideia esplêndida: receber significa sofrer algo, ser afetado por algo sem se transformar e sem transformar a coisa pela qual se é afetado. É possível dizer que se trata de uma paixão sem sofrimento e sem resistência. Se o sensível existe, se as imagens existem, é porque as coisas têm essa potência suplementar e escondida, a faculdade receptiva. E essa faculdade é absolutamente privada de órgãos, uma vez que não é definida por uma matéria, por uma forma, nem por qualquer coisa de positivo. Pelo contrário – e, segundo Averróis, esta é a segunda propriedade de todo meio –, aquilo que recebe algo não deve possuir a matéria daquilo que recebe: o receptor deve se encontrar no estado de privação da natureza da forma que recebe. Todo meio, todo receptor, o é somente graças ao próprio vazio ontológico, graças à capacidade de não ser aquilo que é capaz de receber. Isso fica evidente no meio por excelência, aquele capaz de acolher em si também a luz: a transparência, o diáfano. É apenas enquanto espessura invisível e não colorida que a transparência pode receber a luz e as cores. A transparência não é um corpo específico: não é água, ar ou éter, senão uma natureza comum sem nome [natura commune sine nomine] que está em todos esses corpos. Nas palavras de Averróis, a transparência não existe nos corpos de acordo com aquilo que eles são, de acordo com a sua natureza. Um receptor recebe não obstante sua própria forma e não obstante sua própria matéria, jamais se define por uma natureza específica, exatamente porque é a capacidade de não ser aquilo que é capaz de receber. É pela mesma razão que qualquer corpo, qualquer ente pode se tornar meio: o ar, a água, o espelho, a pedra de uma estátua. Todos os corpos podem se tornar meio para outra forma que existe fora de si na medida em que possam recebê-la sem lhe oferecer resistência. O mundo das imagens, o mundo sensível, é um mundo construído sobre os limites de uma potência específica, a potência receptiva. Acolhendo em si a forma sem matéria, o meio a separa de seu substrato ordinário e de sua natureza. Na terminologia escolástica, o meio é lugar de abstração [abstractio], isto é, de separação: o sensível é a forma enquanto separada, abstraída de sua existência natural. Assim, nossa imagem no espelho ou em uma fotografia existe enquanto separada de nós em outra matéria, em outro lugar. A separação é a função essencial do lugar: dar lugar a uma forma, marcá-la com um hic, significa separá-la das outras, tirá-la da continuidade e da mistura com o resto do corpo. Essa separação medial das imagens que tem lugar no sensível se tornou possível através da propriedade particular de multiplicar-se que as formas têm. Considerou-se frequentemente a experiência da própria imagem no espelho como a experiência trágica entre um si mesmo como sujeito e como imagem, ou como a divisão irreconciliável entre o si e a ideia (o ideal) do eu. Porém, à mesquinhez da teologia escapa o essencial. Aquilo de que se faz experiência cada vez que nos olhamos no espelho – ou cada vez que nos percebemos fora de nós mesmos, cada vez que nos imaginamos diferentes daquilo que somos – é, de certa maneira, cômico. O espelho, a imaginação, a superfície da água sobre a qual nos refletimos, não nos privou de nossa forma, mas a multiplicou. As imagens são os agentes da multiplicação das formas e da verdade. A fórmula do cogito que há pouco enunciamos é falsa. Enquanto me vejo no espelho, observo-me ao mesmo tempo aqui e lá: em mim como corpo e alma, sobre o espelho como imagem sensível. Devir imagem é, sim, um exercício de deslocamento, como veremos, mas, sobretudo, de multiplicação de si. No espelho se aparece e se existe, por um momento, lá onde não se vive mais e não se pensa mais, mas se existe contemporaneamente em mais lugares e em modos diferentes. Nesse momento, nossa forma existe em quatro modos distintos: como corpo que se reflete no espelho, como sujeito que se pensa e faz experiência de si, como forma que existe no espelho, e como conceito ou imagem na alma do sujeito pensante, que lhe permite pensar em si mesmo. A existência do sensível no mundo mostra o quanto a navalha de Ockham é inútil. O sensível é a multiplicação do ser. Pode-se discutir se existe um único mundo ou infinitos. De fato, a existência das imagens não faz senão multiplicar infinitamente os objetos mundanos. Não por acaso, o título técnico das obras sobre a física das imagens na Idade Média era De multiplicatione specierum, ‘sobre a multiplicação das formas’. A imagem sensível abre o reino do inumerável. A partir do momento em que existe o sensível, a partir do momento em que nascem as imagens, as formas deixam de ser únicas e irrepetíveis. A técnica não tem nada a ver. A reprodução das formas é a vida natural das imagens. E já que experiência e percepção são uma contínua correspondência com o sensível – ou melhor, a vida psíquica do sensível –, também o pensamento é uma forma de multiplicação. A palavra, a audição, a visão, todas as nossas experiências são uma operação de multiplicação do real, uma vez que utilizam imagens.
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