1 Desanestesiar a vulnerabilidade às forças em seus diagramas variáveis, potência da subjetividade em sua experiência fora-do-sujeito; 2 ativar o saber-do-corpo: a experiência do mundo em sua condição de vivo, cujas forças produzem efeitos em nossa condição de vivente; 3 desobstruir o acesso à tensa experiência do estranho-familiar [unheimlich]; 4 não denegar a fragilidade resultante da desterritorialização desestabilizadora que o estado estranho-familiar promove inevitavelmente; 5 não interpretar a fragilidade e seu desconforto como 'coisa ruim', nem projetar sobre isso leituras fantasmáticas (ejaculações precoces do ego, provocadas por seu medo de desamparo e falência e suas consequências imaginárias: o repúdio, a rejeição, a exclusão social e a humilhação); 6 não ceder à vontade de conservação das formas e à pressão que esta exerce contra a vontade de potência da vida em seu impulso de produção de diferença. Sustentar-se no fio tênue deste estado instável até que a imaginação criadora construa um lugar de corpo-e-fala que, por ser portador da pulsação do estranho-familiar, seja capaz de atualizar o mundo virtual que esta experiência anuncia, permitindo assim que as formas agonizantes acabem de morrer; 7 não atropelar o tempo próprio da imaginação criadora, para evitar o risco de interromper a germinação de um mundo e, com isso, tornar a imaginação vulnerável a deixar-se desviar pelo regime colonial-cafetinístico. Tal desvio transforma a imaginação criadora em mera 'criatividade' a serviço da reprodução do status quo que, mascarado de 'novidade', torna-se sedutor e mobiliza o desejo de consumo; 8 não abrir mão do desejo em sua ética de afirmação da vida, o que implica em mantê-la fecunda, fluindo em seu processo ilimitado de diferenciação; 9 não negociar o inegociável: tudo aquilo que impediria a afirmação da vida, em sua essência de potência de criação. Aprender a distingui-lo do negociável: tudo aquilo que se poderia reajustar porque não obstaculiza a manifestação da força vital instituinte mas, ao contrário, gera as condições objetivas para que ela se realize em seu destino de produção de acontecimento; 10 praticar o pensamento em sua plena função: indissociavelmente ética, estética, política, crítica e clínica. Isto é, reimaginar o mundo em cada gesto, palavra, relação, modo de existir – toda vez que a vida assim o exigir.
Vale lembrar que este trabalho de artesania de si, do qual depende a descolonização na esfera micropolítica, implica um esforço constante que jamais atinge sua plena e definitiva realização. Ao longo de nossa existência, oscilamos entre políticas do desejo que variam entre seus dois extremos. De um lado, a submissão ao poder dos fantasmas que nos trazem de volta para nosso personagem habitual na cena colonial-capitalística, com o qual participamos das relações de abuso (o que inclui o personagem da vítima). De outro, um trabalho sem fim para desmanchar este personagem, nos reapropriarmos da pulsão e, por ela guiados, criarmos um outro personagem, que esteja à altura da vida, encarnando sua potência de transfiguração. É neste horizonte que situam-se as pistas e sugestões aqui indicadas; elas trazem as marcas dos limites atuais de meu trabalho nesta direção. Sendo este um trabalho infinito de cada um e de muitos, tais pistas e sugestões estão aqui para serem revistas, reajustadas, ampliadas, transformadas, multiplicadas ou até mesmo abandonadas em favor de outras, mais precisas e fecundas. É isto o que espero com a apresentação destas ideias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário