180. Durante anos pensei que a música não fosse uma linguagem universal, tomava então as diferenças entre os gêneros, as tradições, as afinações/temperamentos, os estilos dos artistas e, na origem disso tudo, os gostos e preferências dos ouvintes. Tolice minha! A igualdade (universalidade) está em que todos têm preferências, todos podem se emocionar com tal ou qual composição. E é uma igualdade nuançada, um universal particular, um singular plural. É uma sagacidade, uma perspicácia, talvez até uma audácia. Uma igualdade mínima, alguém dirá, sem dúvida, concordarei, mas ninguém disse que se deveria começar ou encontrar igualdades extremas ou máximas. Talvez possamos chegar nelas.
181. As postulações crísticas afirmativas (suplantando a negatividade dos mandamentos precedentes) demonstra como a separação bem x mal já configura o fracasso da (verdadeira) bondade: se há "nós versus eles", acabou a humildade, o perdão, a benignidade, etc., todas as virtudes. Inexiste caridade com inimizade ("perdoa teu irmão antes de prestar tua oferta ao Pai" e tudo o mais). Cristo vem relegar toda "história de heróis" – assim denominemos o vício nas divisões (falsamente bem delimitadas) "bem versus mal" – ao passado arcaico e suprimido, realmente superado, estabelecendo o reino vindouro, o "reino doutro mundo", reino dos iguais.
182. A postulação de Leopardi nas páginas quatro mil cento e qualquer coisa do Zibaldone sobre o Mal me remete à pergunta do "por que há algo (vida, mundo, língua) em vez de nada?" como aplicada exatamente ao terceiro termo dos parêntesis dada a conjuntura atual: por que ainda há poesia em vez de silêncio?
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