31. Escritos de escritores sobre escrita são os melhores. Tem muita verdade ali que escapa à crítica. E na crítica há o que escapa ao escritor.
32. O realismo não é uma doença, tem suas potências, mas é com certeza um burguesismo. A linguagem nunca é real, até porque o real é o que nunca cessa de não se escrever. Então as fórmulas de que o realismo "mostra as coisas como elas realmente são" são pura balela e qualquer um que lê sem ingenuidade já sabe disso. Toda verdade se esconde no mito e no mágico, no místico, na teologia, na alegoria enfim. Como nos ensina o Marco Polo de Calvino: "A mentira não está no discurso, mas nas coisas." É no mais íntimo e no mais sensível (não necessariamente sentimental, mas geralmente aqui também) que se mostra a verdade. O sujeito angustiado pela pergunta, ou só curioso, não poderá ser respondido satisfatoriamente pela filosofia, nem pela história, nem pelas histórias mil que a história esconde, nem pela maioria das ficções, apenas aquelas ficções de imaginação podem responder verdadeiramente.
33. "Temos dificuldades em dizer o que pensamos, isso é evidência para dizer que pensamento e linguagem se diferenciam." Não, não é evidência. É apenas evidência de que a língua, usando-nos, mostra-nos insuficientes para si. Falam também da ambiguidade como evidência, porque aparentemente o pensamento não seria ambíguo e a língua o seria. Por favor! Falta-lhes psicanálise. É mais que esperado que sejamos ambíguos enquanto pensamos. Nossas ações são ambíguas, nossas atitudes e emoções, nossos sentimentos, todos são ambíguos, quer mais pensamento que isso?!
34. "Isso que você chama consciência é uma bela mentira e você, achando-se muito racional, muito superior aos animais, deixa-se enganar por meras interações químico-elétricas nesse bolo de carne fechado numa caixa óssea muito belamente recoberta por pele."—Lemonstein
35. Quem pensa, mesmo uns cinco minutos, sobre a língua, percebe que ela é unimultipolar.
36. Se fossem mais sagazes, perceberiam que entre "sujeito cognoscente" e "objeto de conhecimento" há uma distância abissal, perceptível de longe. Se fossem iguais seria "objeto cognoscido" – variação que preserva a diferença significante, igualando a sintaxe –, ou "sujeito de conhecimento" – que geraria uma igualdade significante e também sintática.
37. Quando o sujeito começa a aprender? Qual o momento crítico? Onde se localiza a fronteira, afinal? É uma daquelas situações exemplares dos limites do pensamento e do pensamento do limite. Situação exemplarmente dialética, daquelas boas mesmo.
38. O nome é o princípio da herança. Nós herdamos nosso nome – isso é fundamental. Herdamos todos os nomes, exceto os pessoais, esses são uma herança não herdável, uma herança sem herança.
39. O pós-modernismo surgiu na arquitetura e esteve associado por algum tempo só a essa arte. Tomando-o por paradigma, analisaram-se outras manifestações culturais, mas isso é um desrespeito e um erro (hoje vemos bem onde foi dar tudo isso). A arquitetura tomou as cidades com seus prédios, sua pior invenção, não merece respeito algum. Ela tem dessas coisas, uma desgraça. A pintura, por exemplo, continuou modernista ou se rendeu à fotografia e a um pretenso realismo. Alguns videogames resistem, mas nem todos – são o último reduto de esperança. Mesmo boa parte das religiões se perderam para o mundo (pós)moderno.
40. Não é possível que a "democracia" do romance burguês (realista) seja levada a sério hoje, a despeito dos disparates dum Rancière ou outros. Essa ideia de que os pormenores "reais" (esse excesso de descrição visando uma verossimilhança forçada, antinatural, artificial enfim) são sinais de uma igualdade estrutural dos elementos dispostos ali, dos seres ficcionais apresentados. Essa é uma ideia terrivelmente falsa, horrenda mesmo em sua ironia hipócrita, em sua mentirosa consciência, que só tem aparências de consciência arguta, astuciosa, quando se mantém ignorante ao que realmente acontece tão perto de seus olhos que já não pode ver. Lipovetsky bem nos avisou: a democracia do consumo é a única possível hoje. Mesmo a crítica exercida por um Groys (a despeito de suas afirmações contrárias, como se quisesse suprimir a potência do que disse em nome da ordem do dia) ao modelo do mercado de arte é fecunda nesse ponto. Não é sem motivo que são objetos sempre, nunca pessoas, que são ajuntados em abundância, empilhados, acumulados nas imensas descrições inúteis. E não me venham com "sensação de vazio", com "produzir um efeito de inutilidade ou nulidade", com conversas de "o puro gozar a vida", "o direito ao ócio", para tudo isso e muito mais já nos basta a vida. Esse "efeito de real" artificial e antinatural, essa verossimilhança fácil, forçada, descritivista, só existe por uma falta de natureza no espírito.
41. Gostaria de avisar que vivemos num tempo onde é preciso à ficção se afirmar ou se (re)inventar, é preciso haver ficção. Para tal se faz indispensável termos pelo menos um OLNI (Objeto Linguístico Não Identificado) e um OLNA (Objeto Linguístico Não Autorizado). Problema sério é quando acontece um OLNInt (Objeto Linguístico Não Interceptado), passando sobre nossas cabeças, ou sob elas, sem o notarmos.
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