Trecho de Walter Benjamin sobre As Afinidades Eletivas, de Goethe, com destaques:
"A bibliografia disponível sobre criações literárias sugere que o procedimento minucioso em tais investigações deve ser mobilizado mais em função de um interesse filológico do que crítico. (...) A crítica busca o teor de verdade de uma obra de arte; o comentário, o seu teor factual.[3] A relação entre ambos determina aquela lei fundamental da escrita literária segundo a qual, quanto mais significativo for o teor de verdade de uma obra, de maneira tanto mais inaparente e íntima estará ele ligado ao seu teor factual. Se, em consequência disso, as obras que se revelam duradouras são justamente aquelas cuja verdade está profundamente incrustada em seu teor factual, então os dados do real[4] na obra apresentam-se, no transcurso dessa duração, tanto mais nítidos aos olhos do observador quanto mais se vão extinguindo no mundo. (...) Pode-se comparar esse crítico ao paleógrafo perante um pergaminho cujo texto desbotado recobre-se com os traços de uma escrita mais visível, que se refere ao próprio texto. Do mesmo modo como o paleógrafo deveria começar pela leitura desta última, também o crítico deveria fazê-lo pelo comentário. E inesperadamente surge-lhe daí um inestimável critério de seu julgamento: só agora ele pode formular a pergunta crítica fundamental, ou seja, se a aparência[5] do teor de verdade se deve ao teor factual ou se a vida do teor factual se deve ao teor de verdade. Pois na medida em que se dissociam na obra, eles tomam a decisão sobre a imortalidade dela.
[3] Os termos "teor de verdade" e "teor factual" correspondem no original a Wahrheitsgehalt e Sachgehalt. O substantivo masculino Gehalt pode ser traduzido também por "conteúdo", mas esse corresponde mais propriamente a Inhalt, o conteúdo objetivo – assunto, argumento, acontecimentos – de uma obra literária. Gehalt, por sua vez, conota também a visão de mundo ou os valores envolvidos na obra, razão pela qual optou-se aqui por "teor". Contudo, quando empregado no plural ou em outros cotextos, Gehalt foi traduzido também como "conteúdo".
[4] A expressão "dados do real" corresponde no original ao substantivo plural Realien, conhecimentos objetivos, "fatos" ou "coisas" da realidade incorporados à obra de arte.
[5] Empregado inúmeras vezes ao longo deste ensaio, o termo "aparência" corresponde no original a Schein, substantivo masculino que também significa "brilho." Do mesmo modo, o verbo Scheinen pode ser traduzido tanto por "parecer" ou "aparentar", quanto por "brilhar", "reluzir." Ao campo semântico de Schein pertence, portanto, não só a conotação negativa de "ilusão, aparência enganosa", mas também a de manifestação sensível, fenomênica, relacionada a Erscheinung, isto é, "aparição" (phainomenon, em grego).
[5] Empregado inúmeras vezes ao longo deste ensaio, o termo "aparência" corresponde no original a Schein, substantivo masculino que também significa "brilho." Do mesmo modo, o verbo Scheinen pode ser traduzido tanto por "parecer" ou "aparentar", quanto por "brilhar", "reluzir." Ao campo semântico de Schein pertence, portanto, não só a conotação negativa de "ilusão, aparência enganosa", mas também a de manifestação sensível, fenomênica, relacionada a Erscheinung, isto é, "aparição" (phainomenon, em grego).
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