quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Há muita ironia…

… em acreditar que a autoria seja alguma forma de autoridade: já se devassou demais o auctoritas etimológico. Quero dizer em contrário, especialmente meu posicionamento atual: o artista é algo como uma força, uma aura, uma carga quase sobrenatural aposta ao sujeito, um acosso incorpóreo – ou cujo corpo é a imaterialidade – que se apende à empiria. O mesmo acontece à arte, apende-se certo deslocamento à matéria, à revelia de sua resistência. Uma evidência histórica excelente, clássica e pouco explorada: o quanto se atribuiu genialidade a Leonardo da Vinci, enquanto boa parte das geniais criações dele foram, mais tarde, devolvidas ao nome Bernardino Luini. Por medo de perda de importância das obras, assume-se que sejam cópias pouco deturpadas de originais de Leonardo. Não é isso mesmo o artista, aquele que repete esses vapores invasivos a que chamamos ideias? Conceber a arte a partir de pretensos originais é uma estupidez sem tamanho – não passa de matéria reorganizada (ou desorganizada); algum idiota ousaria clamar que as sensações, as emoções e os sentimentos que sente são propriedade privada, ninguém mais poderá senti-los a partir da data de registro legal? Se Luini foi descreditado (o termo é necessário para nossos dias) em vida e por muito tempo após sua morte, como faremos justiça às atribuições errôneas geologicamente (des)estabilizadas? Como afetar o tempo se não temos uma máquina do tempo para dar conta do recado? Há que se viver fora de época.

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Sobre o vanguardismo em arte atualmente

Estou de volta no bonde Maiakovski, crendo que sem forma, etc. Quero dizer, nunca engoli esse papo do pessoal de ficção de gênero [genre fiction] de que inovar o conteúdo, o assunto, é um vanguardismo. Primeiramente porque os vanguardistas não fizeram isso, senão estipularam procedimentos artísticos, métodos, maneiras, modos de fazer, fosse essa arte efetivamente feita ou não. Quero dizer, é preciso tratar o tema com uma apresentação à altura de sua ousadia – sem isso fica impossível respeitar qualquer esforço (os fatos me corroboram). Segundamente porque os vanguardistas estavam certos, é no procedimento – primo próximo da forma – que se encontra seguramente o novo (por vezes tomado do velho, mas sempre diferente deste de alguma maneira). Se inovando na forma rapidamente esbarramos nos limites das artes, ainda persistimos buscando os horizontes da Arte. Sem a tradução (transcriação?) da inovação procedimental em inovação formal conforme operada pelas vanguardas (n.b. pré- e pós-guerra) não teríamos o sentimento (e o sentido) do novo em arte. Não inventaríamos. Contudo, inventar é o mote (e a glosa).