terça-feira, 26 de setembro de 2017

Um poema contemporâneo ou um fragmento de prosa cindida em duas linhas

Quase beijo o celular
quando vejo tua selfie.

Compreender

Possuir prender dentro

Metamorfoses na noite

Eu vi seu olhar desviando do meu quando disse ter ido para casa. As luzes virando viraram o jogo; você confessa: (não) estava só. Nem todos os meus erros se comparam ao único que você cometeu. Nem a maior dor de cabeça se compara à que você me causou. Horror. Seu novo namorado usa calça de menina.

sábado, 23 de setembro de 2017

Diário - 2017/06/24

152. Há quem professe da boca pra fora uma fé por aí. E clama vir do coração! Então engana aqueles que de fato professam a fé desde o coração. Por que fazem isso? Como? Com quais finalidades? Não compreendo. Não tenho essas estratagemas funestas em mim – sou todo alma exposta a nu, quem quiser ver que veja. Melhor padecer sob o erro dos outros a ser eu a errar.

153. Há uma irresponsabilidade geral espalhada nesta geração. Não querem se tornar eternamente responsáveis pelo que cativam, como em bom tom diz um de seus livros mais aclamados (aclamam por compensação de si mesmos?). A tradição bem nos ensinou, mas quase ninguém quer aprender.

154. "Se eu odeio mulheres, rapaz? Não, não odeio. Odeio a ética frouxa e fraca com que lidaram comigo. Sim, as que me relacionei, certamente. Mas as outras... Isso, dá pra deduzir quase sem erro pelas ações, pelas falas, trejeitos, isso, isso mesmo. De que adianta falar de liberdade e não libertar ninguém!? Só tem prisão! Só pri-são. São todas dependentes. Todas essas pessoas dependentes, pode anotar. Eu sei, também fui, as vezes ainda sou. Um doente identifica outro pelo cheiro da doença. É isso mesmo, todo mundo preso numas teias podres, medonhas. Estam... Isso, bem disso que tô falando. Viu!? Tu pega rápido! Estamos todos presos uns aos outros, dependendo da misericórdia de feridos e falidos. Ninguém tem Deus no coração. Uns não têm nem na oração, quem dirá no coração! Tô dizendo, meu querido, se a religião acabar o mundo se acaba junto."

155. De tempos em tempos brota no meio destas terras tão áridas por dentro um desses avatares, santos, seres exemplares a nós. Os seguimos? Absolutamente. Persistimos imbecilmente em nossa miséria. Há quem diga que isso quer dizer que nosso desgraçamento de nós mesmos é o correto; enganam-se. Somos apenas preguiçosos de espírito seduzidos pelo mundo.

Diário - 2017/06/22

146. O grande problema dessa geração de hoje é achar que há posse. Especialmente posse do próprio corpo – se assim fosse, não se poderia perdê-lo. "Ah, mas também se pode perder as instituições", sim, não são nossas, nunca disse que eram. Mas a moral, esta é sempre nossa.

147. Quando dizem que a "cultura europeia" é um mal, um fator limitante, quando cortam a maior herança que temos, suicidam-se. Quando confundem o ter com o ser, especialmente ao falar do corpo ("não temos um corpo, somos um corpo"), estão errando profundamente.

148. A monogamia é uma evolução moral.

149. Outro erro medonho desta geração é a crença de que em algum momento a tradição quis esgotar as coisas – as teorias, as filosofias, as ideias, os projetos, etc.; isso é muito burro. Todo mundo sabe que, também, esse desejo do infinito deles é idiota.

150. Quando choram pelo fim das culturas autóctones, estão chorando por nada. E quando clamam que as tradições ressurgem, erram novamente. Elas morrem e devem morrer. E tudo isso deve acabar. Só o que é verdadeiramente eterno durará; não eterno, mas duradouro. Há evanescência e ela deve agir.

151. Eu não quero um poema assim como você me diz dever ser.

Diário - 2017/06/12

141. É notável se chame propaganda tanto o que rola na televisão quanto o que aconteceu nos regimes totalitários. Há motivos e não poucos.

142. O Cours, de Saussure, é um livro de negação, sobre o não. Ele nega as propriedades então atribuídas à língua (e por vezes ainda hoje, mostrando que ninguém realmente leu).

143. Vadias vadiarão, já dizia o poeta.

144. Eu quero o silêncio. E aqui eu direi aquelas minhas coisas polêmicas: não existe silêncio em absoluto – entenda como quiser, não faço a mínima questão de explicar.

145. Ser autocentrado é o maior altruísmo.

Diário - 2017/06/10

137. Eu não creio em quem diz: "Jesus falava simples, acessível, para todos entenderem". Num tempo de analfabetos brutalizados como aqueles povos, utilizar-se de figuras complexas como a parábola e a alegoria é uma forma de inacessibilizar o dito, são formulações que selecionam seus ouvintes, pois apenas aqueles que perscrutarem a linguagem extrairão dali algum sumo.

138. Eu quero chorar diante de um monge ou mesmo um padre ortodoxo. Cair sobre meus joelhos e implorar amor, porque sei que Cristo e Deus Pai nos amam a todos igualmente: infinitamente. Quero pedir perdão por minha vida medíocre e terrível e implorar ajuda para me desvencilhar do mal e me conduzir ao caminho do bem. Eu preciso exercitar essa autodestruição.

139. Ninguém acredita, ou não deveria acreditar, nos substantivos.

140. O único verdadeiro mundo é aquele que abraça a metafísica, aquele que se entrega ao espiritual e nele habita.

domingo, 10 de setembro de 2017

EMHOMANAGEMARA

O ser é um efeito de discurso entre outros, e a ontologia é uma vergonha [honte, donde hontologie], a não ser que tomemos a ontologia como hantologia, um saber dos espectros, ou, em outras palavras, daquilo que se diz e permanece esquecido atrás do que foi dito naquilo que se ouve, o que, em última análise, retrai-nos à questão da aisthesis, palavra digna de figurar, de fato, com destaque em um dicionário dos intraduzíveis.
    A aisthesis é um derivado de aisthanomai [αἰσθάνομαι], e, como tal, configura um conceito altamente equívoco. Depende de suas relações. O verbo aisthanomai provém de ἀΐω, e este do sânscrito avih [आविस्], como o latim audio, ou seja, significa ouvir, escutar e, menos frequentemente, obedecer. Usado com genitivo aponta a fatos sensoriais (exceto a visão) e se poderia traduzir como perceber. Com objeto em acusativo, significa compreender. E com genitivo de origem, quer dizer tomar conhecimento por meio de alguém, vir a saber, através de uma língua, por exemplo. A tradução mais comum do verbo aisthanomai, ou seja, sentir, tem, por outro lado, inicialmente, o significado de perceber pelo odor, ou inclusive exalá-lo, o qual mostra que, na aisthesis, há fusão de sujeito e objeto, algo que se comprova além disso no deslocamento de aisthesis a nous, quando traduzimos o conceito como sensus. O termo grego nous (inteligência, espírito, mente, sagacidade, sabedoria, alma, intenção, desejo) nos conduz ao paradigma da visão, já que o verbo latino intueri (ver) recupera a matriz visual de teoria, o species. Aisthesis, no entanto, mostra uma sensibilidade de downcast eyes, para retomar o conceito de Martin Jay, do qual concluímos que, substituir a mimesis pela aisthesis nos abre um campo muito complexo de relações.

Sobre o que eu (des)faço

         Quando eu ajo ou penso, quando escrevo ou canto ou componho, eu não estou buscando A Verdade (um abraço pro careca da SS!). Isso nem faria sentido num tempo onde A Verdade foi descredenciada – termo importante: ela perdeu crédito, mas também não tem mais credenciais, quer dizer, não exerce mais seu poder de outrora, como também faltam títulos ou ações que lhe abonem. Sendo assim, o que raios eu (des)faço? Com'onde me situo? Teoricamente é o que vem sendo chamado de performativo, um regime (a ambiguidade dietético-política é intencional) que escapa da esfera denotativa, buscando muito mais uma afecção que uma referencialidade. A produtividade (de verdade – olha!, outra inteligência das palavras!) é o destino ao qual se chega inadvertidamente por esse acaso. Então, antes de procurar verdade no que digo, procure o que digo em verdade (e prolifera a sabedoria das palavras!).