domingo, 14 de setembro de 2014

Momentos Dele e Dela - Primeiro Momento

            Fecho meus olhos e tudo passa por mim, tudo me atravessa. Como se fosse outra pessoa, não fosse eu mesmo quem sempre pensei ser. Em verdade nunca sou – nunca somos – mas isso é muita digressão filosófica para pouca praticidade. Não gosto dessa sensação. Sinto-me frágil e incompreendida. Por que tem de ser assim? Tem de ser assim? É tudo muito barulhento e confuso!
            – “Para de me xingar, porra!” – Gritei, sem me importar, afinal, ele não se importa comigo.
            Ele não se importa comigo? E todas aquelas noites cheias de bons desejos e sussurros? E toda exposição? E todos os perrengues que ele suportou? Eu sou uma nojenta, mesmo. Uma desgraçada.
            Não! Por que eu penso bem dele? Ele não me merece! Olha as merdas que ele disse! Foco, guria, não é uma brincadeira, estamos falando de problemas. Seu relacionamento tá indo por água abaixo! Vai, calma... O que vai acontecer... Chega! Vai se foder! Eu desisto!
            – “Chega! Caralho!” – Bradei, por fim, impaciente.
            Ele realmente não pode estar agindo assim! Isso é tão idiota! São só algumas palavras, poxa... Eu não errei tanto, não pode ser. Não é lógico! Bem, o que é lógico num namoro, né? Tola, eu. Não deveria devanear logo agora, mas o que ele disse, eu não... Não gosto de lembrar o Marcos me dizendo aquilo. Se ele soubesse como dói reviver tudo isso, nem mesmo começaria! Droga, S. você está chorando de novo! Sua tola! Mil vezes burra! Larga logo dele! Mas se eu largar, que será dele? Que será de mim?! Não tenho nada além dele, ele é o melhor que jamais tive! Como eu poderia deixá-lo por tão pouco? Sim, é óbvio!
            – “Amor, para, por favor... Não aguento mais chorar!” – Desabafei. Sufocava-me, era como vestir uma gravata apertadíssima num dia de verão.
            Sim, é óbvio. Ele se sente enciumado porque eu não pareço pertencer a ele! Como ele quer que eu supere coisas alimentadas por anos e anos? Não é assim tão simples. Beijar minhas cicatrizes para curá-las! Como se ele tivesse paciência pra isso! Não... Isso foi... Amor... Eu realmente não sei como me portar diante dele! O que ele fez comigo, afinal? Já nem sei quem sou mais. Por que tem de ser assim? Tem de ser assim?
            – “Amor! Essa foi a coisa mais linda que alguém já me disse!” – Admiti a contragosto, mas sinceramente.
            Que há com ele, afinal? Parece doido! Ai! Quero matá-lo! Como ele pode me fazer sorrir num momento tão cruel?! Como ele pode mudar de humor tão facilmente? Eu não entendo! Ele quer me deixar doida! Chega! Falar coisas assim tão bonitas agora não vai me comprar... Se bem que ele sussurrando aquela noite, eu me arrepiei toda... Ainda lembro aquelas mãos quentes, levemente ásperas, os lábios deslizando por minha orelha, a umidade resfriando a pele por causa do vento, as estrelas todas bem dispostas sobre o pano preto do céu noturno... Tão poético quanto só ele sabe ser! Não é assim tão simples, meu amor. Você é o melhor, de fato, mas calma lá! Trata-se do meu passado! Ele existente desde antes de você, então acalma essa boca!
            Droga! Detesto quando me confunde e me cala com um beijo, é tão excitante e romântico! Pecado e perdão se confundem num só momento e não sei quem sou, nem onde estou, perco o ar e o pensamento, tudo me arrepia e nada sobra na mente senão a imagem dele. Maldito! Me tem sob controle! Ele vai ver! Deixa só eu me livrar desse abraço quente e macio, onde me sinto segura e a salvo de tudo... Onde o passado parece distante e só quero o hálito quente dele em meu pescoço, enquanto as lágrimas me descem... Não dá! Não tenho forças para lutar com ele! É desleal! Eu sou toda dele! Sou toda só dele, caramba!
            Desleal sou eu, que não sou toda dele... Não quero compará-lo, mas é inevitável! Por que a mente tem de funcionar assim? Tem de ser assim? Eu não entendo! Se devemos superar o passado e nos tornar sempre melhores a cada relacionamento, por que a memória compara tanto as situações? Bem, de qualquer forma, ele leva vantagem, é tão doce! Tão meigo e fofo! Queria abraçá-lo como ele me abraça só para ele sentir como é bom! É tão divino, é como sumir do mundo, é como flutuar num céu ensolarado!
            – “Eu só queria que tu pudesses te ver pelos meus olhos!” – Tive de dizer, entre a incerteza e o cansaço.
            Deus! Exaure-me discutir contigo, homem, tu és tão carente quanto eu, ou talvez mais. Vem cá e deixa cuidar de ti mesmo que não possas cuidar de mim. Eu te sou fiel e atenta a tudo, eu te sou leal e obediente, porque melhor que tu não pode haver. És meu. Sou tua. Só tua. Toda tua. Ama-me, portanto. Não há remédio.
            – “Sou teu anjo, sim! Logo, estou sempre contigo e para sempre te cuido, sem abandonar ou esquecer, até porque és tanto para mim que se te abandono me lanço também à solidão, pois só sou quando contigo estou, meu amor!” – Finalizei, de coração exposto e sangrando as verdades mais íntimas, toda minha sinceridade.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Capítulo III - Ocaso de uma nova era

            Adva, O Vertente Infindo, agradado do sabor, da dor, do toque macio e carinhoso d’A Luz do Mundo, fez Sua luz se refletir por toda a extensão Dele mesmo, portanto auxiliando no cumprimento da dificultosa missão Dela. E o Dia se fez, fazendo-se, fez-se claridade. E a Noite se fez, fazendo-se, fez-se escura. Aqueles Sem Rosto, do outro lado do deserto de Krysta, gritaram muito, pois suas peles ardiam com o calor do Dia e os ventos cortantes da Noite.
            Ela caiu no chão, extasiada.
            Viu diante de seus vivos olhos toda a História e experimentou todas as histórias.
          Apalpou a essência d’O Espaço em si mesma, materializada em toda sua imaterialidade.
            Corroeu-se sua pele com a gentil passagem infinitamente veloz e irrefreável d’O Tempo.
            Esmagou-a como uma pluma incomensurável a Existência em Si.
            Gozou-a e riu-se Dela A Sabedoria.
            Girando e girando, espiralando tudo, estonteou-a A Emoção, de mão dada à sua abstração, O Sentimento.
            Arruinou Seu espírito A Mente, etérea, mas sempre tão densamente povoada.
            A tal ponto incendiaram-na corpo e essência que estava Ela morta ao final da Iluminação do Mundo. Morta como só A Morte pode finalizar tão esplendoroso espetáculo de Vida e Amor. Havia agora, sim, tudo; A Vida caminhava por todos os lugares, tudo que antes era imóvel, tornara-se movimento! Havia agora, sim, tudo; as areias de Krysta ascendiam, uniam-se, dançavam todas juntas e Os Impérios, eis eles aí, estupendos, reluzentes, miraculosos! Havia agora, sim, tudo; O Som, lá estava ele, onde houvesse voz, zumbido, palavra, ruído, onde antes havia silêncio! Havia agora, sim, tudo; A Luz, esse símbolo infinito, fazia o que outrora fosse irreal, agora era forma, claridade, percepção! Havia agora, sim, tudo.
            A Luz do Mundo parou. Nem um espasmo, nem um piscar de olhos, nem uma lágrima. Silêncio, Escuridão e Morte reinavam soberanos sobre aquela carcaça. E de sua barriga, de seu sacrossanto ventre espirrou muito sangue, muito mais que Aqueles Sem Rosto puderam beber e comer, mastigar e deglutir, saborear e festejar. A pele lentamente se rasgava, como um pano esticado pelas pontas, qual se rompe lenta e dolorosamente. Dolorosamente? Ela já não sentia, porque não mais era, não mais estava. Estava? Estava noutro estado, noutra forma, na forma morta, estacionária, degradante. E do tecido de pele rompido saiu O Primeiro Homem.
            Ambivalente, ambíguo, de dupla natureza, essência distorcida e perturbada, ele caminhou lentamente, todo sob o férreo e dócil sangue de Sua Mãe. E sob o sangue de Sua Mãe, ele beijou, ajoelhado, as mãos daquelas três entidades. Filho, portanto, d’A Luz do Mundo, mas batizado, ao nascer, pelo Silêncio, com suas longas e brancas mãos, de dedos tão extensos que remetiam a memória a tentáculos, mas quem tinha tentáculos era A Escuridão, qual também abençoou O Primeiro Homem ao nascer. Mais fundamentalmente, porém, nasceu Ele sob o signo da terceira entidade. Fruto da morte de sua mãe é Ele, também, mortal. E mortal sendo, visitou Os Impérios de Krysta, porque O Tempo, para Ele, agora é a mais preciosa joia, já que A Vida se esvai com o caminhar indiferente daquele. E tudo tem novo significado, porque nada é perene.