domingo, 29 de setembro de 2019

Dica de escrita

Acreditamos que bloqueio criativo é normal, pois muitas pessoas comentam sofrê-lo. Porém, não passa de falta de estruturação, por vezes um julgamento excessivamente severo de nós mesmos, ou incompreensão do processo de escrever.

Erro comum de escritores iniciantes: abrir o documento de redação de textos e esperar a inspiração aparecer para começar a digitar. Não espanta que muitos travem ao olhar para a página em branco, paralisados por não saberem o que fazer.

Trabalho criativo não é uma linha de montagem em que toda produção segue sempre as mesmas etapas. Escrever é um processo criativo tortuoso, muito longe de qualquer processo linear. Ganhamos a confiança necessária apenas na revisão, sentimos nesse momento que tudo irá se arrumar.
  • Pesquisemos o tema, as ideias aparecerão mais fácil na hora de escrever.
  • Deixemos tempo às ideias para convergirem no ângulo único que as abordaremos, isso enriquecerá o texto, tornando-o atraente.
  • Estruturemos o texto antes mesmo de digitarmos a primeira letra, dando-nos um mapa para quando nos sentirmos perdidos.
  • Evitemos o julgamento ao escrever o primeiro rascunho, pois sabemos que será péssimo – percamos a ilusão da perfeição instantânea. Apenas escrevamos.
  • Descansemos (d)o rascunho antes de revisá-lo. Com a mente fresca, noutro momento, garantiremos revisão cirúrgica, corrigindo erros bobos.
Todos esses passos são dados a "portas fechadas" – ou seja, somos nós e mais ninguém. O público ainda não teve contato com a escrita.

O último passo é decidir quando abriremos as portas para revelar ao mundo nossos textos. Não existe momento perfeito. Mas uma coisa é certa: o maior arrependimento não é publicar um texto e falhar. O maior arrependimento é não ter coragem para compartilhar nossas ideias com o mundo.

sábado, 28 de setembro de 2019

Dica de escrita

Há um terminus technicus da música chamado timbre. Observemos os significados dicionarizados do termo:

Timbre
substantivo masculino
Marca, sinal, insígnia, principalmente em papel de correspondência oficial, comercial ou particular. Selo; carimbo. Física e Fonética: qualidade que distingue dois sons da mesma altura e da mesma intensidade.

Trata-se do último sentido, ligado à acústica (área de estudos da física). O timbre de um instrumento musical é aquela parte do som desse instrumento que nos permite distingui-lo de outro instrumento musical, caso ambos toquem a mesma nota. É assim que deve se dar nossa dicção na escrita. Mas o que é dicção? Voltemos ao dicionário.

Dicção
substantivo feminino
Maneira, modo de dizer, de pronunciar as palavras – articulação, pronunciação, pronúncia. Expressão, sentença, vocábulo ou reunião ordenada, de certos sons que expressam um pensamento. Arte ou modo de dizer no que se refere à estrutura e às escolhas das palavras certas – estilo.

Sim, a dicção do escritor é seu estilo.
Nesta dica, fornecerei dez orientações para nos ajudar a encontrarmos nossa dicção, nosso estilo. Vamos lá!
  1. Descreva-se em três adjetivos.
  2. Pergunte-se (e responda-se!) o seguinte: é assim que eu falo?
  3. Imagine seu leitor ideal. Detalhe bem como é esse leitor. Então, escreva para esse leitor e somente para ele.
  4. Liste cinco livros, contos, crônicas, sites, blogues, enfim, textos que você gosta de ler. Dispense algum tempo analisando essa lista. Em que os cinco são parecidos? Como diferem entre si? Qual aspecto da maneira como são escritos chama sua atenção? Você aspira a escrever como esses cinco textos elencados?
  5. Liste suas influências culturais e artísticas. Você as utiliza em sua escrita ou tenta evitá-las?
  6. Pergunte a outras pessoas por sua voz, por seu timbre. Anote as respostas recebidas.
  7. Escreva livremente. Apenas endoide, enlouqueça, sem freios. Esteja confortável nesse momento e apenas escreva. Ao final, distancie-se um pouco, então volte e leia tudo que escreveu a fim de perguntar-se: eu publico ou pretendo publicar algo assim?
  8. Leia algo que você escreveu recentemente e pergunte-se: eu leria algo (escrito) assim? Em caso negativo, você deve aprimorar seu timbre, sua dicção, sua voz.
  9. Pergunte-se: eu aprecio/gosto/me divirto enquanto escrevo? Se está difícil, se parece trabalho(so), então provavelmente você não está escrevendo de maneira autêntica. (Note bem: nem todo escritor gosta do ato de escrita, mas é uma pergunta valiosa para a maioria de nós.)
  10. Preste atenção à sua sensação perante a publicação. Nervosismo? Medo? Ansiedade? Ótimo! Você está indo bem, esse é o caminho. Se você estiver afogando-se em calma, algo está errado, você não está se arriscando, não está vulnerável, não está se escrevendo. Escreva algo perigoso, escreva você. O medo é bom, faz com que você queira escrever algo que importa.
Só com nossa dicção, com nossa voz, com nosso timbre, com nossa autenticidade conseguiremos fãs dedicados e que amam honestamente nossa obra. Lembre-se de desenvolver seu estilo após encontrá-lo.

quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Dica de escrita

Há quatro tipos textuais. É necessário conhecê-los e distingui-los a fim de escrevermos precisamente o que queremos. Mas só quatro? Sim, só quatro. Não nos referimos aqui a gêneros textuais, esses são infinitos, conforme a demanda prática.
  • Narração
  • Tempo-modo verbal predominante: pretérito perfeito (e mais-que-perfeito) do indicativo.
Trata-se do texto em que se narra algum ocorrido, tornando-o conhecido e presente ao ato de leitura. Dá-se a conhecer um fato narrativo, situado, quer dizer, com data e local, além de personagens envolvidos na ocorrência. A narração trama e enlaça, envolvendo o antes e o depois numa sucessão de acontecimentos. Como se trata do encadeamento e fluência entre sucessivos fatos narrativos, conjunções e locuções conjuntivas (conectores) são fundamentais, bem como anáforas (retomadas) e advérbios e locuções adverbiais (principalmente temporais). Afirmações abundam. Divide-se em dois registros ou duas camadas: narração e narratário. Narração é o ato propriamente; narratário é aquilo que se dá a conhecer através da narração. Assim, há sempre um narrador, mesmo que despersonalizado e neutralizado. É, fundamentalmente, o texto (da percepção) do tempo (da vida).
  • Descrição
  • Tempo-modo verbal predominante: presente e pretérito imperfeito do indicativo.
Trata-se do texto em que se descreve algo estático ou dinâmico, ou seja, um objeto, um local, predominando verbos de estado (ser, estar, parecer etc.), ou um processo, predominando verbos de movimento (aproximar, afastar, reduzir, ampliar etc.). Costuma-se dividir em objetiva e subjetiva, mas nós sabemos que não existe essa pretensa objetividade isenta de escolhas e influências, portanto toda descrição marca seu autor, em graus diversos de explicitação, mas sempre resta algo da preferência do descritor. Figuram muitas orações predicativas (predicado do sujeito e do objeto), também chamadas orações atributivas, bem como sintagmas nominais, adjetivos, apostos, complementos e adjuntos circunstanciais (lugar, tempo, modo), enumerações, comparações e símiles. É, fundamentalmente, o texto (da percepção) do espaço (da vida).
  • Dissertação (exposição + argumentação)
  • Exposição
  • Tempo-modo verbal predominante: infinitivo e tempo-modos intemporais, ocasionalmente pretérito imperfeito do indicativo (quando descrevendo processos).
Trata-se do texto em que se informa quem lê. Encontram-se aqui apresentações, exposições e divulgações. Prevalece, nesses textos, a claridade, a objetividade, a precisão (léxica e sintática), conectores, definições, classificações, comparações (e demais figuras de inteligibilidade), enumerações e exemplos. É, fundamentalmente, o texto (da percepção) do mundo (inanimado).
  • Argumentação
  • Tempo-modo verbal predominante: presente do indicativo.
Trata-se do texto em que se convence quem lê. Manifestos, cartas abertas, chamadas (à ação) compõem a paisagem. Argumentos abundam, conectados logicamente, usualmente em cadeias de causa e consequência, também se mobilizam cenários hipotéticos, experimentos de pensamento e exemplos a fim de arguir sobre um tema. Citações e referências ocorrem frequentemente, além de toda sorte de apelos. É, fundamentalmente, o texto (da percepção) do mundo (animado).
  • Injunção
  • Tempo-modo verbal predominante: imperativos (afirmativo e negativo), ocasionalmente infinitivo e futuro do presente do indicativo.
Trata-se do texto em que se instrui e orienta (as ações de) quem lê. Listas, comandos e ordens constituem a maioria dos textos. Vocabulário e sintaxe simples e diretas, detalhamento de preparações e procedimentos, por vezes imagens ilustrativas. É, fundamentalmente, o texto (da percepção) da ação (dos outros).

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Vácuo [reescrito]

Densa noite adentra rasgando o céu em escuridão. Prateado hipnotizante olhar dela, derruba do mais alto os anjos, rouba a alma ao mais forte dos homens. Suas acompanhantes, eternas amigas, reluzem também, todas distantes – fazem da imensidão obscura um recorte de brilhos.
Quase me esqueço dos frutos saturninos levando consigo toda razão. Um coração ferido e quebrado pode alcançar poesia (?) caçando e alimentando um lobo odiento e solitário, maculado com as chagas da carne de um mestre amigo crucificado.
Nunca me prometas Amor, Amor. Sei quem és e falharás em cumprir tuas vãs palavras. O doce de lábios acabará algum dia como o vento que dissemina o sexo das flores para todos os seres.

Falta coração; cresço distante do centro.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

Numa noite qualquer [reescrito]

III
Foi numa tarde qualquer. Não faz muito tempo, tenho certeza. O escritório estava cheio. Lia o jornal, na confortável poltrona, observando, sorrateiro, a porta. Ayira fechou as persianas após servir-nos um bom café. Mirela, sentada no sofá, observando a estante – recheada de livros – enquanto degustava a bebida negra. Meus olhos fecharam-se pesados.

II
Meus olhos abriram vagarosos. Mirela adentrava a sala com proposta de novo caso. Pus-me de pé sem hesitar – senti meu corpo extremamente pesado – toda minha movimentação continuava indiferente a tudo que vivera até ali. Corremos para o cemitério e lá estavam os dois, diante da mesma lápide, sob a mesma chuva – recapitulação de novela. Odeio repetir o passado.

I
Trata-se de quando encontrei Ayira. Vagava solitário pelo cemitério buscando alguma conversa para a noite sem fim. Encontrei-a assim. Dezessete anos, ajoelhada, chorava tanto que a chuva sumia sob as lágrimas. Sem esforço desci a destra pouco abaixo de minha cintura, pouco inclinada, cobrindo a garota com meu guarda-chuva. Tão jovem, tão bela… Virou-se para mim, ergueu-se e abraçou-me, banhando-nos a ambos na fria água derramada dos céus. Correspondi. Nossa cumplicidade, assim nascida, não conhece limites. Voltei para meu apartamento com ela, convidei-a para um banho quente a fim de recuperar-lhe a saúde e ofereci um roupão. Meu primeiro erro.

II
A chuva torrencial recordava aquela cena triste. Eu vi a tristeza gritando do fundo daquela alma, rugindo contra a própria vida. Seus tão amados transmutados em monstruosidades, aberrações vingativas. Eu realmente não sei se deveria me importar com isso. Eu os matei. Ela insistiu, meteu-se em meu caminho, recebeu um corte no braço, nada para preocupações. Vislumbrou seus pais mortos por minhas mãos. Permaneço incapaz de imaginar sua dor. Milena salvou-me da angustiada fúria da jovem cúmplice.

I
Minha consciência me atacou constantemente naquela fria noite. Sentamo-nos em minha cama, Ayira apoiou sua cabeça em meu ombro enquanto eu apreciava um bom vinho. Nunca me esqueci da pergunta… Aquela porcaria ainda martela meu crânio. Quiçá martelará para sempre. Por que ela desejava tanto? Tinha de ser assim? Eu nunca desejei a eternidade, mas, naquele exato momento, eu adoraria que a vida durasse para sempre.

II
Estarrecido, paralisei. Ayira correu – desapareceu no horizonte de nossos olhares. Chorava tanto quanto ou mais que no primeiro encontro. Viver o suficiente torna-se sombrio além de toda luz. Voltamos para o escritório, eu e Milena. O escritório quedou-se silente. Silêncio tão grave e sufocante que mal pude sentar. Noite após noite buscamo-la, encontrando apenas vítimas de sua loucura, todas drenadas do fluido carmesim pelos pequenos furos no pescoço. Eu não sabia o que fazer. Eu nunca soube. Jamais imaginei que isso aconteceria. Evitava pensar que repetiria o erro de Lochech. Eu realmente teria de matá-la?

I
Na mesma semana já me servia seu ótimo café, afirmava ter aprendido com a mãe. Sempre sorridente, estudava à tarde. Morava comigo, pela falta de casa e tutela. Nunca fui bom exemplo. Concedida a vida eterna, eu não havia de ser bom tutor devorando a essência pulsante dos corações na densa noite. Lochech fez-me assim, não gostaria de ver minha jovem companheira também uma criatura das trevas. Mas assim foi, ao revés do meu querer. Lochech apareceu numa noite de neve e ventanias, sequestrou Ayira e a manteve em cativeiro na igreja em que fizemos nossa única… Festa? Serei honesto. Foi um banho de sangue. Ele feriu mortalmente o objeto de minha afeição. Sem opções à minha disposição, fi-la sorrir através das lágrimas. Tornamo-nos iguais. Dois demônios santificados, filhos da mesma treva. Não! Somos melhores que ele! Não fazemos vítimas como ele nos fez!

II
Uma floresta cerca parte da igreja. Encontramo-nos. Ayira, dominada pelos inumanos instintos, gargalhava de meu esforço por proteger os humanos. Mal se dava conta, tola. Minha fraqueza trouxe-a até aqui. Lutamos. Ela matou Milena sem hesitar. Deu cabo do corpo facilmente. Absorveu suas capacidades – aprendeu bem nas silenciosas noites de caçada àqueles que não podem viver na superfície. Todavia, no ramo há mais tempo, sei como se faz um assassinato perfeito. Atravessei seu torso com minha espada de prata. Um último espirro de sangue e…

III
Arregalei os olhos. Suava profusamente. Dormi em minha confortável poltrona, enquanto Ayira perscrutava-me com seus olhos curiosos e sua beleza juvenil eternizada. Milena já havia ido embora há muito. Dia tranquilo. Tão tranquilo que adormeci sem perceber. Tomei um bom banho. Ela também. Deitamos nossas carnes imortais lado a lado. Encaramo-nos demoradamente. Proferiu a mesma questão da primeira vez. Diferentemente àquele fatídico encontro, teve por resposta o que gostaria de ter escutado cinco meses antes.

— Que tipo de relacionamento é o nosso?
— Somos amigos íntimos… Não é? — Respondi, sem saber para onde desviar o olhar.
— Não! Não é! — Fitava-me, indignada.
— Não te arrependes?
— Não quero mentir. É difícil, mas eu consigo lidar. Acho mesmo que posso superar. Eu escolhi isso. Eu… Escolhi passar a eternidade contigo. — Soava firme e certa.
— Vamos dormir. — Beijei sua testa suavemente e cobri nossos corpos.

domingo, 22 de setembro de 2019

Sobre um momento peculiar no passado

Em algum momento do passado, por volta de 2012, eu colaborei num blogue dedicado a escritores iniciantes. Francamente? Fracasso. Mas a vida tem dessas. Estaríamos aqui agora se aquilo não tivesse ocorrido? Acho que não. Acredito mesmo que se trata de uma experiência necessária – fracassar. Dividem-se as águas na falha. Quem persiste, persiste. Quem não, passa. Importa constatar: escrever é penoso. Paga-se pelas culpas de todo o mundo.
Acaso trarei reescritas de textos lá publicados. Aguardemos o que o futuro reserva.

sábado, 21 de setembro de 2019

Dica de escrita

Estruturemos nossa escrita. Escrever deve ser divertido e prazeroso, contudo lembremos tratar-se de nosso ofício – compromisso, empreitada séria. Um texto estruturado apropriadamente conquista a leitura. Sem dúvidas todo escrever escreve-se a si mesmo, ou seja, cada produção exige especificidades próprias, não há fórmulas ou receituários (muito menos mágicos), como canta o ditado: cada um é cada um. Respeitemos a singularidade da escrita. Não se há de temer o infindo aprendizado, resta-nos aprender.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

Dica de escrita de George Orwell

Todos os escritores são vaidosos, egoístas e preguiçosos … Escrever um livro é uma luta desgastante, como passar por um longo surto de alguma doença dolorosa. Escritores nunca poderão escrever um livro se não forem conduzidos por algum tipo de demônio (ao qual possam resistir ou entender).

quinta-feira, 19 de setembro de 2019

Dica de escrita

  • Total de palavras por dia de trabalho
É muito necessário conhecermos o gênero em que nossa escrita se insere e isso inclui o tamanho do texto típico para esse gênero. Com essa medida temos um objetivo claro e bem delineado diante de nós, guiando nosso trabalho facilmente. Digamos que nosso objetivo são 30000 palavras em 60 dias: isso nos dá 500 palavras por dia, sete dias por semana (sem faltas). Parece muito quando pensamos inicialmente, mas a clareza do objetivo diário nos orienta e sinaliza o sucesso em cada passo da jornada.
  • Metas de curto prazo
Objetivos semanais – assim como a quantidade diária de palavras – nos darão a disciplina necessária para sermos bem-sucedidos. Editar também é progredir, não haja dúvidas, porém editar vem depois de escrever, jamais se poderá editar aquilo que ainda não existe. É nesse momento que muitos de nós falhamos. Trata-se de disciplina. Sejamos intransigentes com as metas e objetivos. Nada de prorrogar prazos e alterar datas.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Dica de escrita

Alguns apontamentos para iniciarmos nossa escrita.
  • Decidamos (sobre) o que escrevemos
Sobre o que estamos falando? Qual é nosso argumento? A quais questões universais nos referimos? Sem receio de dispensar energias para este trabalho, é preciso saber qual nosso assunto.
  • Tenhamos uma meta de produtividade diária
O hábito vence o desafio. Persistência é a chave para sairmos bem-sucedidos dessa empreitada. Não é preciso imitar os grandes nomes, com milhares de palavras por dia, laudas e mais laudas. Por volta de 500 palavras ao dia já compõe um ritmo suficiente para preservar o movimento dentro das possibilidades de nossos cotidianos atribulados. Não importa escrever muito, importa escrever sempre.
  • Determinemos um horário diário para o trabalho
Tenhamos um compromisso diário conosco e com nossa obra. A consistência de nossa prática estimulará nossa criatividade. E se vierem dias ruins, escritas árduas, ásperas, palavras engasgadas… Que venham! Amemo-nos sem temor. Os grandes nomes de todos os tempos não amavam (nem odiavam) escrever, eles apenas escreviam – eis o segredo.
  • Escrevamos no mesmo local todo dia de trabalho
A mente carrega resquícios rituais até hoje: os mesmos movimentos ao nos banharmos e ao escovarmos os dentes, o mesmo ritmo de caminhada, as mesmas preferências. Respeitemos nossa escrita por quão sagrada ela é: tenhamos um espaço para avisar a nosso sistema nervoso central que agora é hora de escrever e nada mais. Mesmo uma escrivaninha no quarto, uma mesa na cozinha, um local separado especialmente para a atividade durante o tempo previsto é tudo de que precisamos para soltar a criatividade na corrente sanguínea. Afinal, escrever é também uma disciplina corporal (além de mental) e só o hábito nos trará o resultado desejado.

terça-feira, 17 de setembro de 2019

Dica de escrita

Aqui vão sete questões com as quais não devemos nos importar no primeiro rascunho (também chamada primeira versão) de nossa escrita.
  • Qualidade
Não precisamos escrever, de primeira, com o vocabulário mais adequado ou a melhor construção frasal. Ao contrário, tratando-se do primeiro rascunho, devemos apenas colocar as ideias para fora e isso basta. Sim, entramos a escrever porque nosso gosto é afinadíssimo, contudo agora não é momento para aplicá-lo. Toda primeira versão é lixo – lembremos sempre dessas palavras de Hemingway. Notemos bem: a primeira escrita não presta e que isso fique claro! Reescreveremos e será um momento tão interessante quanto o gesto inicial. Lembremos: o primeiro rascunho é, no pior dos casos, a pior versão do escrito.
  • Dicção e estilo
Já conversamos sobre dicção e estilo noutros momentos. Precisamente: o momento para determinar o tom, a voz, as preferências lexicais e as estruturas sintáticas não é o primeiro rascunho. Ignoremos de todo esses elementos e apenas despejemos as palavras feito metralhadoras cuspindo chumbo quente. A primeira versão serve para revelar a obra que virá quando, nas revisões posteriores, o artista aplicar-se com afinco ao detalhe.
  • Estrutura
Fascina, sem dúvidas, um texto com boa arquitetura, bela estrutura, todas as partes no lugar. Todavia, é impossível planejar a estrutura sem construí-la: mãos à obra. Alguns furos aparecerão aqui e acolá, em futuras revisões (e edições estruturais) corrigiremos essas ranhuras naturais da superfície textual primeira. Escrevamos como nos sentirmos mais confortáveis para tal, seja no fluxo caótico das ideias, seja na ordem prescrita ao texto por nós mesmos. É bastante comum alterar a estrutura em reescritas posteriores, a fim de manipular as expectativas do leitor ou visando a outra qualidade do texto. Joguemos areia no terreno para, depois, construirmos nossos castelos.
  • Descrição
Falemos da microestrutura do texto: se descrições não fluem naturalmente de nossos dedos, deixemos para depois. É possível procrastinar ao aperfeiçoar descrições no momento errado. Mais tarde, nas releituras e edições, reescritas e modificações, perceberemos os benefícios da ausência estratégica de descrições. O primeiro rascunho é um esqueleto, a carne vem depois.
  • Tema
Temas são, indiscutivelmente, o fator de maior fascínio da leitura – especial atenção quando se trata de ficção. As relações com a vida, com a experiência, com a morte, o tempo, as relações, tudo isso é fascinante e instiga nossa leitura de tantas escritas encontradas mundo afora. Entretanto, não nos preocupemos com nossos temas na primeira versão, corremos o risco de forçar temas onde e quando não convêm. Como diz a dica de Bernard Malamud: no primeiro rascunho descobrimos sobre o que falamos. Depois os temas virão.
  • Detalhes
Ignoremos os mecanismos de pesquisa e a proliferação de abas de navegador. Ignoremos a pesquisa, fizemo-la durante o planejamento exatamente para separá-la da escrita. Não é hora de escrever certo, é hora de escrever.
  • Seguir o planejamento à risca
Entendamo-nos bem: planejar é necessário. O planejamento auxilia sobremaneira na escrita turbulenta e difícil da primeira versão. No entanto, seguir uma estrutura pré-planejada com excessivo rigor desestimula a criatividade e arruína a escritora fluidez. Estejamos abertos para a alegria da experimentação, o prazer da descoberta. Se a escrita toma outro rumo, diferente do planejado, arrisquemos. Por que não? Acaso o insucesso nos vença, o planejamento nos aguarda, firme como sempre. Como disse Terry Pratchett: o primeiro rascunho compõe-se apenas de você contando sua história a si mesmo.

sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Um diálogo sobre a morte entre dois amigos, um desesperado e outro não

— Fico ansioso para morrer, as vezes; outras, tenho medo. Mas não deve ser algo tão ruim, deixar todos os sentimentos para trás, assim, sem felicidade nem tristeza. Bem, até lá aproveitarei a vida! — E riu-se, dentes alvos contra o céu noturno.
— Esteja ansioso para viver. Viva bem. Ame muito. Odeie o mínimo possível. E lembre-se: o futuro jaz nas mãos daqueles que se sentam ao redor da mesma mesa para comer em paz. — Sorriu, exibindo a boca toda enluarada.

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Mais palavras a um amigo desesperado com a ideia da morte

Se a vida é mesmo um breve respiro entre nascimento e morte, então devemos viver bem, isto é, devemos amar profundamente tudo e todos, a fim de morrermos tranquilos e felizes. Se a vida é eterna e a morte é apenas uma passagem do mundo físico ao mundo espiritual, devemos viver bem, isto é, devemos amar profundamente tudo e todos, a fim de morrermos tranquilos e felizes.
Qualquer resposta egoísta à vida – buscar apenas o próprio prazer e a satisfação dos próprios anseios e desejos – é a verdadeira morte.

quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Palavras a um amigo que me questionou sobre a morte

Deixar de existir, uma vez que se existiu, é impossível. Já se causou diferença na história do todo, nos registros do cosmo, e isso é irreversível, é inesquecível. Mesmo que se degrade até a última molécula do corpo, mesmo que tudo que foi tocado tenha apodrecido e ruído, mesmo que o nome seja esquecido e jamais pronunciado, a influência gerada não pode der desfeita, ela já teve efeito, ela agora ecoa para todo o sempre na gigantesca sinfonia universal. E a eternidade é mesmo isso!

Dica de escrita

Fracassar na primeira tentativa não é nada. Se pararmos aí nosso desejo de escrever (e publicar) é menos que nosso temor de falhar. Isso jamais deve ocorrer. Acreditemos em nós como outros acreditaram em si mesmos. Outros quem? Vejamos:
  • J. K. Rowling teve seu manuscrito de Harry Potter negado por 12 editoras.
  • Carrie, a estranha, de Stephen King, foi rejeitado 30 vezes.
  • Mesmo um livro fraco, porém de sucesso, como Crepúsculo, foi rejeitado por 15 agências literárias.
  • O (hoje) grande Lolita, de Nabokov, foi rejeitado por 26 editoras (as quais o publicaram depois de um editor francês ousado ter feito sucesso com a publicação).
  • … E o vento levou, de Margaret Mitchell, foi rejeitado 38 vezes.
  • William Saroyan tinha uma pilha de 76 centímetros de altura de rejeições (cerca de 6000 rejeições)!
Se alguém nos disser que é fácil escrever e publicar ou que o sucesso vem de maneira simples e imediata, esse alguém estará mentindo. Persistamos. Escrevamos. E, com tempo, tudo virá a termo.

terça-feira, 10 de setembro de 2019

Dica de escrita

Precisamos ler bem para escrever bem. Quanta facilidade nessa empreitada! Com pouquíssimo dinheiro conseguimos uma graduação – com especialização, mestrado e tudo o mais! – ao alcance da mão (e dos olhos), basta frequentarmos alguma livraria. Todos os grandes mestres de ontem e de hoje nos esperam a custos irrisórios se pensarmos quanto engenho e arte há naqueles papeis impressos.
Leiamos. Sim, leiamos. Leiamos com atenção e dedicação. Leiamos como escritores.

domingo, 8 de setembro de 2019

Dica de escrita de Bernard Malamud

O primeiro rascunho serve para descobrir sobre o que é sua história.

sábado, 7 de setembro de 2019

Dica de escrita de Ernest Hemingway

Não desanime porque há muito trabalho mecânico em escrever. Existe, e você não pode fugir disso. Reescrevi a primeira parte de Adeus às armas pelo menos cinquenta vezes. Você precisa trabalhar nisso. O primeiro rascunho de qualquer coisa é merda. Quando você começa a escrever, recebe todo o impulso e o leitor não recebe nada, mas depois que você aprende a trabalhar, é seu objetivo transmitir tudo ao leitor, para que ele se lembre não da história que ler, mas de algo que aconteceu com ele.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Dica de escrita de George Orwell

• Evitemos palavras longas quando as curtas servirem.
• Se possível cortar algo do texto, façamo-lo.
• Utilizemos a voz ativa em lugar da passiva.
• Evitemos lugares-comuns e clichês.
• Substituamos jargão especializado por vocabulário simples e compreensível.
• Evitemos escrever algo tosco quebrando quaisquer regras sem remorso.
Não há receitas para escrever, é verdade – mas não custa nada beber um pouco da sabedoria dos que já trilharam, com sucesso, o caminho que estamos buscando.

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Dica de escrita

Sejamos planejadores ou improvisadores, é necessário planejarmos essa escrita. Certamente, não há uma maneira correta de escrever, mas há diretrizes úteis para essa empreitada. Aí vão cinco diretrizes sobre o planejamento.

1) Não planejar.
Nosso maior erro ao começar um projeto. Levar-nos-á ao desconhecimento da premissa, afastando-nos do argumento, impedindo-nos de escrever com mestria. Mesmo um improvisador de primeira mantém por perto um caderninho com anotações das ideias e temas centrais da obra a improvisar. Uma premissa (em ficção) é o resumo da história em uma frase: os personagens principais, seus objetivos e os obstáculos em seus caminhos. Quase como uma notícia: quem, o que, quando, onde, como e por quê. Com esse contorno [outline] evitaremos muitas dificuldades: furos e complicações na trama, histórias paralelas irrelevantes, entre outros problemas recorrentes.

2) Ignorar a importância dos personagens.
Então, planejamos um enredo cheio de curvas e nuances, reviravoltas e torções. Estamos prontos! Bem… Ainda não. Repleta-se, todo bom romance, de personagens memoráveis. Eles animam a trama e vivem a história. Mesmo em narrativas as mais enredadas, os personagens são marcantes e desenvolvem-se junto aos acontecimentos: desenvolvimento de personagem e de enredo correm paralelamente. Quando planejarmos nossa ficção, planejemos também nossos personagens: quais suas funções, como se relacionam, o que os motiva etc. Personagens interessantes dão sangue e movimento ao enredo. Se ambos foram planejados e estão vivos, ainda melhor será nossa escrita!

3) Não pesquisar.
Sim, pesquisar. Não precisamos escrever uma tese de doutorado sobre qualquer assunto para ficcionalizarmos, porém devemos pesquisar minimamente os elementos a utilizar. Mesmo se não estamos a escrever uma ficção histórica ou sequer realista, pesquisar é crucial – pesquisar nossas influências e interesses, curiosidades e variedades. Com boa pesquisa, evitaremos clichês, lugares-comuns e estereótipos, especialmente personagens diferentes de nós, seja pelo sexo, gênero, classe socioeconômica, alinhamento político, personalidade ou ainda outro aspecto.

4) Escolher a perspectiva errada.
Consagrou-se, em cada gênero ficcional, alguma maneira específica de narrar: primeira pessoa em histórias de detetive e enredos policiais, terceira pessoa (onisciente) em fantasia e assim por diante. Não devemos nos submeter a convenções e sedimentações históricas, mas é sempre bom levar em consideração o que foi testado e bem-sucedido. Perguntemo-nos: a protagonista é tão bem-humorada que seria uma perda lastimável não ver o mundo por seus olhos? Ou há tantas personagens interessantes que é um desperdício fugir da visão onisciente? Devemos escolher por boas razões, questionando-nos quais efeitos almejamos.

5) Ignorar o leitor.
Queremos escrever algo universalmente agradável. Isso, infelizmente, é impossível. Ignorar essa impossibilidade nos levará a produzir uma aberração ilegível. Consideremos nosso alvo, imaginemos nosso leitor ideal (porque elaborado apenas em nossas ideias). Isso basta. Sim, é possível termos lido um tão grande bocado de tudo que acabamos por pensar em escrever essa colcha de retalhos estilísticos. Contudo, escrever não é ler. Compreender nosso público – em linhas gerais, tudo aqui é liberdade eficaz – trará mais pesquisa (leitura), a qual felizmente nos dará estímulo (todo bom escritor é grande leitor) e escopo, compreensão sinóptica (saberemos o que já foi feito e em que estamos repetindo ou inovando). Nossa sanidade – e de nossos leitores – agradecerá nosso esforço.

quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Dica de escrita

Escrever é fácil. A única coisa a se fazer é excluir as palavras incorretas.
—Mark Twain

Hoje discutiremos alguns passos para escrever um livro. Não se trata de um ritual glamoroso e místico, mas é mesmo fascinante.

Escrever um livro não é fácil; também não é impossível. A parte mais árdua é sentar a bunda na cadeira e escrever. Livros não se escrevem sozinhos afinal. É preciso investir quem somos na criação duma obra relevante e significativa.

Para começo de conversa, ninguém simplesmente se senta para escrever um livro. Não é assim que (a escrita de um livro) funciona. Começa-se com algumas frases, então um parágrafo ou dois, um capítulo se tiver muita sorte. Pausas para refletir. Escrever é um processo: inícios e recomeços, pedaços e fragmentos, inspirações e desesperos. Não é complicado, mas deve-se dar um passo de cada vez.

Primeiro contemplemos os contornos da atividade: o que é preciso para escrever um livro?
Começar. Sim, parece óbvio, mas muitos de nós ignoramos esse passo fundamental. Decidimos o que queremos escrever e de que maneira o faremos, então começamos.
Manter-se motivado. Os adversários mais ardilosos nos infiltram após o início. Dúvida, hesitação, insatisfação, insegurança, entre tantos outros guerreiros da Resistência à escrita que nos querem impedir de realizar nosso objetivo.
Terminar. Tão importante quanto o primeiro passo é o último. Ninguém se importa realmente com o livro quase terminado. Queremos a obra realizada. A capacidade de terminar sua obra é o que separa um escritor daqueles que não escrevem.

Fase 1: começando
1) Decidamos sobre o que escreveremos.
2) Decidamos uma quantidade mínima de palavras ou laudas a escrever cada vez que trabalharmos.
3) Organizemos nossa rotina a fim de separarmos tempo todos os dias para trabalhar em nossa obra.
4) Escrevamos sempre no mesmo local, no mesmo espaço.

Fase 2: trabalhando
5) Estabeleçamos o tamanho do texto final (quantidade de palavras ou laudas).
6) Estabeleçamos metas semanais.
7) Obtenhamos comentários ao nosso texto ainda nas primeiras versões.

Fase 3: finalizando
8) Comprometamo-nos a entregar.
9) Aceitemos e acolhamos as falhas e erros.
10) Escrevamos mais livros!

Todos os anos milhares de livros morrem nos arquivos daqueles que se tornariam escritores caso concluíssem seus esforços.
Talvez nós já tenhamos enfrentado essa situação: um conto inacabado, um poema pela metade, um ensaio inconcluso.
Sim, tememos muitos acasos vinculados à escrita (publicação, divulgação, sucesso), mas para lançar um best-seller é preciso antes escrever um best-seller.
Quero dizer: muitos (aspirantes a) escritores sentam-se e deixam as palavras fluírem, acreditando bastar isso para produzir grandes obras.
Estudando os maiores escritores aos quais tive acesso, descobri que não basta isso.
Todos eles têm algum método, algum ritual.
Nós não somos diferentes.
Portanto, aí vão mais algumas dicas sobre o processo.

11) Escrevamos apenas uma parte (capítulo, cena, diálogo, conto, poema etc.) por vez.
12) Comecemos pequeno, visando a produzir longas obras quando experientes.
13) Recebamos comentários e feedback cedo (nas primeiras versões).
14) Mantenhamos uma lista de inspirações sempre acessível.
15) Mantenhamos um diário durante a escrita, acompanhando nosso processo e sua evolução.
16) Entreguemos constantemente. Algumas vezes será difícil escrever, outras vezes, fácil – inspiração é apenas o resultado do esforço persistente. A Musa só virá quando mostrarmos a ela quem é que manda!
17) Descansemos frequentemente. Planejemos nossos descansos em vez de cairmos na procrastinação: alguns minutos durante a produção ou mesmo alguns dias sem produzir.
18) Quando produzirmos, removamos distrações e foquemos apenas no trabalho.
19) Acaso seja difícil produzir isoladamente, busquemos ambientes em que outros estejam produzindo a fim de nos aclimatarmos.
20) Não editemos durante a criação. Criemos livremente, livre de juízos rígidos sobre nós mesmos e (auto)críticas a nossas criações. Assim, teremos muito mais material para editar quando concluirmos.