sábado, 18 de janeiro de 2020

A vivificante magia dos romances

Ao abrir um livro, mergulhamos em histórias diferentes até esquecermos da nossa. Outras vezes, descobrimos coisas sobre nós mesmos através dos personagens. Uma boa leitura pode ser o melhor refúgio para aliviar nossa alma e um antídoto contra as adversidades.

O mundo já não é maravilhoso, deixaram-no assim. Como em jet lag permanente, não pode se conectar com a realidade circundante. Freud disse que palavras e magia eram a mesma coisa a princípio. É por isso que continuamos a procurar refúgio nos livros quando a vida parece uma piada estúpida? Você, passageiro em horas baixas, abre um romance e, nas suas páginas, encontra algo como um barco salva-vidas, um alívio balsâmico à inquietação.

Os leitores vorazes sabem muito bem que livrarias e bibliotecas são um kit de primeiros socorros eficaz para a alma, como já declarado na Antiguidade. Ficção e poesia, diz a romancista Jeanette Winterson, são medicamentos que curam a ruptura que a realidade causa em nossa imaginação. De acordo com o tópico Horaciano dulce et utile, ensinam-nos deleitando-nos. O eco das palavras, o ritmo e as imagens com uma grande carga emocional inundam e ativam os recessos da consciência. Quando lemos um texto literário inteligente e sedutor, o mundo se torna mais habitável.

A biblioterapia é possível graças ao choque de identificação que ocorre no leitor quando se vê refletido na história.

Entre os benefícios da leitura de ficção, o primeiro, por mais óbvio que seja, é se conhecer melhor. Proust, que hoje poucos negariam suas aptidões para a ciência cognitiva, afirmou que cada leitor, ao ler, é leitor de si próprio. Ele acrescentou que o trabalho do escritor nada mais é que uma espécie de instrumento óptico oferecido ao outro para permitir discernir o que, sem esse livro, não poderia ver. Entrar no universo dos romances é viver várias vidas. Com um livro em nossas mãos, um terreno se abre diante de nós para experimentar diversas circunstâncias sem fim. A biblioterapia é possível graças ao choque de identificação que ocorre no leitor quando é refletido na história. Temos empatia com outras pessoas, com outras formas de pensar. Além disso, a leitura é uma emocionante aventura intelectual. Para André Gide, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura, ler um escritor não era apenas ter uma ideia do que ele diz, mas é fazer uma viagem com ele.

A leitura nos coloca em um espaço intermediário: enquanto nos suspende, liga-nos à nossa essência mais íntima, um bem valioso para manter certo equilíbrio nestes tempos de distração. A leitura, disse María Zambrano, dá-nos um silêncio que é antídoto para o barulho à nossa volta. Dá-nos um estado agradável semelhante ao da meditação e nos dá os mesmos benefícios que o relaxamento profundo. Ao abrir um livro, conquistamos novas perspectivas, porque a ficção compartilha com a vida sua essência ambígua e multifacetada. Como só podemos ler um número limitado de títulos, o que estamos procurando? Obras que reafirmem nossas crenças ou que as façam vacilar? Kafka foi muito claro: só devemos entrar nas obras que mordem e perfuram: “Um livro tem que ser um machado que abre um buraco no gélido mar dentro de nós”.

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