segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Banho ou Esponjas Deveriam Gravar

            Estou no banho e meus braços se movem automáticos. Penso em tudo. Penso em tudo? Tudo que sei é tudo? Ou tudo que sei é só tudo que sei? Ou tudo é tudo que sei e apenas isso? Ou sei menos que tudo? Ou tenho a impressão de tudo, ainda que não saiba tudo, por não saber mais e parecer tudo bem amarrado?
            Às costas vão e esfregam vagarosamente, depois de terem atacado o pescoço de todos os lados. Lados. O que são lados? Perspectivas de um mesmo objeto, ou objetos inteiramente novos? Ou parcialmente novos? E qual o ponto de diferenciação entre inteiramente e parcialmente? E onde ficam os lados? Ficam em mim? Ficam no objeto? Ficam no mundo que intermedia e acomoda eu e o objeto?
            Descem por si mesmos e arranham um pouco, porque não controlo a força. E o que é controlar? Não controlo nem meus pensamentos, estas dúvidas que me abordam indistintamente, como se eu soubesse tudo. E sei tudo? Então por que não as consigo responder? Há um buraco no meio de tudo? Ou tudo é inteiro e contínuo e completo? E se for inteiro, isso é bom ou ruim?
            Agora descem pelo peito, barriga, um pouco mais de cuidado no umbigo, ele não tem bom cheiro; umbigo de ninguém tem bom cheiro. Bom ou ruim, atribuições humanas ou propriedades inerentes à existência? E se são propriedades, então não existem? Ou propriedades existem? Então adjetivos existem? Existe bonito, portanto, ou é apenas uma qualificação, uma classificação, uma propriedade que, per se, inexiste, dependendo sempre de sua posição associativa?
            Dirigem-se às pernas, longamente acompanhando sua forma estendida e peluda. O que é associação? O que é propriedade? O que é posição? Seria uma pós-ição? Içar algo depois? Mas depois de quê? Depois da própria coisa? Se assim for, então a posição já está içada, dada, fornecida, posicionada. Se não for assim, então quando se posiciona a posição?
            Agora os pés são limpos, numa posição estranha, suspendendo-os e me segurando na parede com a mão livre. Quando é uma palavra curiosa. Quando o quando acontece? Quando digo? Ou quando de fato ocorreu no mundo (aquele, que intermedia e acomoda eu e o fato ocorrido)? Quando é quando?
            Termino jogando a espuma embora, parado sob a água, sem deixar molhar os cabelos, ainda que o pescoço molhe todo. E quando é que o pescoço começa e acaba? Quando o tempo se divide em fatos? Ou os fatos são contínuos? O que são fatos? São o que se passa no mundo (aquele, você sabe bem qual)? Se te digo algo, então o que disse aconteceu? Porque eu te dizer aconteceu no mundo. Se não, então o que são fatos e o que não os são? Qual a distância, qual o momento do corte que separa?
            Giro com a canhota, enquanto a destra desce a toalha que esfrego pelo pescoço. Essa toalha existe? Esse banho aconteceu? Qual o critério de fato e de existência? Se for o simples acontecer no mundo, então eu dizer que não existem ou aconteceram seria – sempre – produzir um contrassenso, uma vez que posso dizer tudo. Ou não se pode dizer tudo? Então qual a fronteira, qual o limite de tudo? E como, se estou para dentro do território dessa fronteira, saber que aquela é a fronteira, se jamais passo dela? E se posso estar fora dela, então não há um tudo, porque há um fora do tudo que me permite estar ali para averiguar?
             – Ah, olha só! Já deu a hora, preciso escovar os dentes e ir dormir – disse a mim mesmo, ainda nu, agarrado à toalha, já seco.

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