sexta-feira, 1 de junho de 2018

Cadeira de rodas

Próximo ao Terminal Integrado jaz um homem sobre sua cadeira de rodas vendendo alho em pequenos sacos. Ele claramente tem dificuldades – sequer pode coçar sua cabeça com os dedos estendidos como nós. O que desejo compreender é como isso é possível. Pessoas vêm e vão, passam, mas não o enxergam. Olham e nada. Isso é feio, ele é feio, posto não está ali onde deveria estar. Quem é? O que será? Ninguém sabe, jamais saberá – não há como saber. Isso tudo me perturba. Tenho vontade de chorar. Não é pelo dinheiro, é pela cegueira, pela destituição. Como pode Deus ser Sumo Bem se viver é pior que o inferno!? E ainda assim Ele permanece Lá. Permanecerá. Viver é o maior Mal inventado. É pior: é criado. Creado, dicen nuestros hermanos. Não importa o nome. Tenho vontade de matar a todos e não suporto uma gota de sangue desnecessária. Talvez não seja, então, suas mortes que eu deseje, mas a morte de seus velhos, a morte do ser, de seus seres. Rasgar o que é, o que há, para a abertura do que pode ser, do que virá. Sempre foi isso que me destruiu: ninguém nunca é o que pode ser – é isso que me aniquila de mim. E é impossível suportar a dor. Por isso se chama dor, porque é insuportável. Mas alguns dizem que isso é maturidade, saber resistir – viver. Eu não quero esse horror, estou apavorado e temeroso de enfrentar tamanha tortura monstruosa. Eu odeio a vida. Odeio viver. É uma dificuldade intransponível na qual nos colocam feito espetáculo para se rirem, diversão penosa. O que é um furor heroico, Bruno? Diga-me! O que é!? Merda nenhuma, tô sabendo, ninguém aguenta essa violência infinita de nascer. Como se lida com isso? Essa aberração incondicional, imperdoável, maligna até os sub-átomos, até as entranhas, até às condições. Ser é morrer. Isso é impossível! E isso não é nem de perto se livrar de viver. Pelo contrário, é viver em plenitude, viver completamente insensível, cego e perdido. Eu só quero poder. Poder sem mais. Poder sem mais nada. Eu só quero poder. Como se faz para poder? Como é que se pode? Eu só quero. E querer é insuficiente para o que seja. Querer é insuficiente sempre. É o que resta, sim, mas é insuficiente. A insuficiência resta e, condensada no fundo do frasco, compõe-se em querer. Ninguém quer só o resto, nem mesmo eu. Eu quero desviver em cheio. Antiviver. Não-viver. Isso parece além do impossível. É impensável, inconcebível. Verdadeira heresia. O inferno parece uma opção mais leve, afinal, outrora os demônios foram anjos. E nós? Para sempre barro, para sempre criminosos no jardim, usurpando frutos, criminosos do jardim, abusando das delícias e vivendo. Esse desgraçado sopro.

Eu quero ver Deus nesse homem.

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