Estou aqui para lhe mostrar algumas das coisas que você chama de realidade.
William S. Burroughs —
Em um texto de 1973, Burroughs desenvolveu este mito: as palavras seriam um tipo de organismo viral; esse organismo parasitaria seu hospedeiro portador (o macaco anterior ao signo) e causaria uma mutação biológica caracterizada por uma “modificação das estruturas da garganta interna”; o efeito: estrangulamento, “frenesi sexual”, alta mortalidade e transmissão genética, por meio das fêmeas sobreviventes, da “nova estrutura da garganta”.
Essa fábula relembra a violência que prende o ser falante à socialidade da troca verbal, mas deixa na glote, como o rastro de um remorso “biológico”, o nó da angústia que está na origem do impulso de escrever (para trabalhar nesse nó e nessa fábula). Em ambas as extremidades da história da fala, há um estrangulamento traumático. Por um lado, o drama do corte inaugural que funda a socialidade tagarela da espécie; por outro, o controle dos “sujeitos” pelos discursos normalizados, o emaranhamento dos corpos na rede da gramática, a submissão aos nomes que constituem a alucinação conhecida como “realidade”.
O mito burroughsiano do “vírus da linguagem” é um tipo de logogonia patética. Retrata a doença que transforma o pequeno homem em um animal falante, arrancado do nada da coisa silenciosa emparedada pela necessidade (fome), mas jogado ao mesmo tempo no inferno da “antropofagia comunitária”.