quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Anotações esparsas de um projeto de história da arte moderna tomando-se o cinema como eixo organizador

Tenho pensado que talvez o cinema seja o grande eixo a partir do qual contar a história da arte moderna e contemporânea. Claro, considerando-se como arte moderna a arte que se inicia próximo ao modernismo, quiçá com o realismo, com os usos da fotografia e as primeiras gravações sonoras em diante.

Coincidentemente, a máquina de escrever também surge nesse período, facilitando a produção de roteiros e de literatura, libertando a mão do escritor em relação ao texto, quer dizer, autonomizando o texto, tornando-o impessoal, passível, finalmente, de crítica objetiva.

A crítica objetiva faz parte da arte cinematográfica tanto quanto da arte literária, é dizer, o cinema pode ser bem feito ou mal feito, mas não pode deixar sem reação, sem resposta, sem comentário. O cinema, afinal, também já incorporou a crítica ao seu circuito de funcionamento.

Mas por que o cinema como eixo da modernidade artística?

Bem, porque o cinema teve sua infância, sua adolescência e sua maturidade, viveu todas as eras, as fases, as épocas da criação artística.

Sei que o modelo padrão da história da arte centra essa história na evolução das artes plásticas, desde o perfeccionismo do século XIX até o conceitualismo dos anos 1970, com uma teleologia da progressão sistemática da pintura figurativa à pintura abstrata, passando dos impressionistas aos cubistas à abstração completa.

Não quero contar essa história, uma história datada, fajuta, teleológica.

O cinema como eixo organizador da história da arte moderna envolve se engajar com a criação de arte como um processo modernizador. O próprio ato de fazer filmes como um ato moderno. Pois o filme compartilha com a poesia o poder do corte, com o teatro a atuação, com aquele e a literatura a narrativa, com a música o tempo, com a fotografia e as artes plásticas a visibilidade e até o uso da arquitetura. E é uma arte da presentificação dos ausentes: vemos atores mortos nas telas, mas eles estão vivos nos filmes, há uma dobradura do tempo muito peculiar, raramente encontrada, pois não se trata de personagens ficcionais ou das palavras de alguém em uma carta, mas da própria imagem corporal desse ser, sua colocação em cena, mas essa colocação só pode ocorrer através da atuação, do ceder sua existência ao personagem, é dizer, ao não ser a si mesmo.

Não ser a si mesmo é talvez o único jeito de se tornar imortal.

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