domingo, 23 de março de 2014

A (In)determinação de Literatura

            Dizer o que é literatura, defini-la, é um dos maiores problemas sobre o qual ainda reflito. De algum modo deve ser possível, sim, definir e conceituar literatura, ainda que seja uma definição temporária e presa a seu tempo de concepção. Tratar do que é literatura é, também, ditar suas características e limites, ou seja, sua extensão e suas fronteiras. É certo que a definição proposta aqui é historicamente associada, ou seja, influenciada pelos padrões estéticos de seu tempo – como também intimamente ligada à minha construção individual e à minha personalidade. Posto isso, podemos começar.
            Há muito se fala de literatura, texto literário, como textos escritos de alguma forma, ou com algum conteúdo, que os torna literários. Há bastante consenso sobre grande parte daquilo que é tido por literário, ainda que isso não seja universalmente válido. Ao longo da história, mais e mais escritos e escritores foram – continuam sendo – adicionados ao que é tido como literatura; dessa forma se vê que o prosseguimento histórico e a revisitação de textos do passado forma, pelo menos, parte do que é a literatura. Vê-se, portanto, que a valoração associada a cada época dita, pesadamente, o que é tido por literário, assim, também, faz crer que a literatura se associa, de alguma forma, em sua contemporaneidade com suas formas do passado, seja pela estrutura ou conteúdo. Essa relação dialogal com o passado demonstra que há alguma característica das obras literárias que se preserva ao longo do tempo. Chamaremos a essa característica de “literariedade”.
            Sabemos agora que para identificar se algum texto é literatura ou não basta encontrar nele a literariedade. Isso parece facilitar a questão, ainda que não tenhamos feito muitos avanços. No que diz respeito à literariedade, como definida no parágrafo anterior, pode-se pensar de várias maneiras sobre ela; uma dessas formas falaria, suponhamos, das formalidades estéticas do texto, pode-se contra-argumentar apenas citando Eneida e Dom Casmurro, obras que são igualmente literárias, jogando por terra a tese da semelhança estética. Alguém, então, questionaria se não é o conteúdo do texto que faz nascer a literariedade; novamente as duas consagradas obras são o contraexemplo. Outro poderia questionar se ao é o gênero o fator determinante e, mais uma vez, o exemplo que foi feito acima serve e é suficiente para negar a hipótese.
            Nenhuma das concepções anteriormente expostas é satisfatória perante a demanda universalista e unificadora do conceito de literariedade, mesmo por existirem diversos contraexemplos. Contudo, de maneira diferente, alguém, é bem possível, falasse do prestígio do autor literário para definir uma obra como tal; isso seria um contrassenso duplo, primeiramente porque, dessa forma, as obras iniciais – de quando o autor ainda não era conhecido e reconhecido – não fariam parte da literatura; em segundo lugar, porque é a obra literária que confere ao seu respectivo autor a característica. Isso nos leva à reflexão final.
            Como exposto acima é o texto literário que, enquanto tal, dá ao escritor a literariedade, portanto também à obra dele; aqui alguém poderia, deveria questionar se não é, portanto, o leitor que confere e concede a literariedade a cada texto. O questionamento é válido e dificilmente apresenta contraexemplos. Frases do cotidiano, da conversa informal, viram poesia nas redes sociais. Obras contemporâneas atraem mais a atenção do grande público que os chamados eruditos. Fica evidente que o leitor agora exerce papel fundamental em achar ou conceder a literariedade àquilo que preferir. É certo que muitas convenções e consensos perduram, tal é a raridade em se encontrar alguém que leia A Origem das Espécies pela “prosa poética” de cada parágrafo e apontamento. Isso é ótimo, pois mantém alguma semelhança entre autores e obras, alguma linearidade à literariedade; torna-se ruim quando não permite o questionamento e a adesão de novos autores e obras a toda essa história.
            Essa foi minha trajetória pessoal e minha definição do que é literatura, aonde cada indivíduo determina, para si, o que é literário, com seus gostos pessoais e suas noções sócio-histórico-culturais. A questão sobre a qualidade da literatura, todavia, se boa ou ruim, é tema para outro texto, mas deixo avisado que não a vejo como tão aberta a livre, como tão pessoal quanto a literariedade.

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