quarta-feira, 17 de maio de 2017

Diário - 2017/05/13

9. Interpretações místicas das diversas áreas quânticas evidenciam um mau-caratismo tremendo e um desentendimento profundo e enraizado sobre o que é ciência e como ela funciona. Muito provavelmente baseado numa noção vulgar e cotidiana do que é ciência. Engenharia não é ciência, por sinal.

10. O problema do mal é extremamente interessante. Tenho minhas dúvidas se poderá ser respondido numa pura filosofia como querem os hegelianos espalhados por aí, mas é deveras muito interessante compreender por que diacho há mal e não bem quando este último resolveria uma gama tão exorbitante de problemas que podemos chamar "tudo" sem sofrer grandes críticas.

11. Há uma balela difundida de que a arte produzirá "senso crítico" (seja lá que diabo é isso). É falso. Eu mesmo sempre fui cercado das artes e elas não produziram esse efeito em mim. Minha inquietude, por outro lado, sempre foi crucial para as capacidades mais elevadas do espírito. Não matar as inquietações, alimentá-las, resolvê-las, conhecê-las, manipulá-las, manuseá-las, isso é crucial para um pensamento bem formante e bem formado. La ideologia está en todo. Em sua vasta maioria, quem fala de educação pouco ou nada sabe sobre o que diz, tem ideias rasas e medíocres. Essa conversa bastante corrente de que só é uma educação ("verdadeira" está aqui implícito) aquilo que está de acordo com certos valores e crenças (uma espécie de humanismo revisitado e muito menos potente ou interessante que o renascentista), é na verdade uma religiosidade do e no homem. Educação é tudo aquilo que ex ducere, para bem e para mal. Não saber é também uma forma de saber, um saber. Esse neo-kantismo revivido com sua balela de "educação dos sentidos" dá muita prosa, mas pouca poesia.

12. Quando as pessoas têm suas crenças abaladas, elas vão correndo ao ad hominem sutis, se assim posso chamá-los. Em que consistem? Geralmente sua primeira forma é o argumento oftalmológico: "você tem que ver que (...)." Outra forma famosa é (em discussões onde a religião está de fundo ou pauta): "você diz isso porque não crê, você não entende, você tem que crer".  É tão desesperador ter suas crenças movidas, realocadas, precisar mexer nelas? Não bastam quase três séculos de arte?! A ficção sempre lidou com como nossas crenças precisarem de revisão constante, a trilogia de Édipo é toda sobre isso! Sobre como é preciso considerar a si mesmo enquanto objeto da falha. Não somos os agentes do verbo, somos seu objeto.

13. A metalinguagem é sempre linguagem e nunca meta. Isso não se dirige aos gramáticos, eles sempre souberam disso e nunca esconderam; dirige-se aos "filósofos" e seus wet dreams. A ideia de uma "semântica universal" é uma mentira terrível. Não porque haja algo intraduzível, o problema não é esse, mas porque o universal é a falência do pensamento.

14. O problema do verdadeiro (membro de um grupo). Os marxistas se debateram por muito tempo sobre isso; sintomaticamente os religiosos também; os movimentos "de minorias" pós-modernos também – é realmente muito curioso notar como essa implicância vem com força da esfera religiosa, sinal de algo problemático, para dizer o mínimo. Minha experiência é de que os (membros) mais interessantes ficam numa espécie de "margem no meio" (A terceira margem do rio, Guimarães Rosa?), num limiar realmente peculiar, nem dentro, nem fora, senão foraclusão, são e não são parte (não mais Shakespeare, mas já Murilo Mendes). Eu tento herdar (o verbo é proposital) o melhor de todos os mundos, sempre sem perder de vista muita coisa importante, e.g. Lacan é muito útil como ferramental de comentário cultural contemporâneo ocidental, uma espécie de teoria da antropologia ocidental, mas não se pode deixar "enfeitiçar pela linguagem" extremamente especializada dele como divina ou mágica ou mística, é preciso criticá-la também, utilizá-la, sujá-la com a vida e o teste da experiência, assim ela mostrará seus pontos fortes e fracos e nisso teremos uma versão mais convincente, mais sólida e mais potente. Cansam-me lacanianos e marxistas alike repetindo fórmulas e definições que, em verdade, nada definem, como se estivessem dizendo alguma verdade muito profunda para os "reles mortais" (estes mesmos que criaram e mataram deuses, mal sabem eles), sem perceber que, de fato, só estão sendo homens de seu tempo e vivendo a pura superfície, repetição assêmica a esta altura. Palavras vazias são palavras vazias, é uma sabedoria popular no melhor dos sentidos, refinada por séculos e milênios pelo teste da vida.

15. Não se esqueça a lógica e a ilógica, mas é necessária e premente uma alógica – só aqui se situa qualquer verdade relevante, aquém e além da língua, qualquer sorte de teo-a-logia.

16. A ideia de gênio seria propriamente uma ideia romântica (não necessariamente liberal ou burguesa). Sua versão propriamente socialista seria aquela obra como culminação das forças sociais, produtivas, históricas, culturais, etc., acumuladas naquele ponto (punctum?) de tal forma que se propagassem adiante no espaço-tempo (Eugenio D'ors?). Porém, isso gera um problema de origem: as primeiríssimas obras teriam sido resultado da influência das pedras, do sol, dos ventos, das bactérias? (Até podem ser, mas que diacho isso quer dizer anyways?) Talvez não o gênio per se, mas deve-se recuperar (muito mais que conservar) uma noção minimamente coerente de autonomia, sem ceder, obviamente, aos deslizes e cegueiras do projeto estético (esteticista, podemos dizer), uma autonomia retornada da UTI, e como ela já não lembra em quase nada sua velha forma, chamemo-la: an-autonomia.

17. Tudo aquilo que questiona o fundamentum in re das coisas, isto é, o fundamento das/nas coisas, por dialética (ou seja, por não pensa vulgarmente), também questiona as coisas que fundamentam.

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