terça-feira, 23 de maio de 2017

Diário - 2017/05/22

65. As pessoas tendem a achar que o pensamento mitopoético da vida (enquanto uma substância divina, uma essência inoculada na existência, advinda de algum lugar ou entidade sobrenatural) é uma forma revolucionária de pensar e tomar a vida em consideração. Enganam-se. Essa forma vigeu até um século atrás ou ainda mais recentemente, essa concepção existe em quase todas as religiões e mitologias do mundo. Ao contrário, uma forma realmente revolucionária é atribuir à vida uma concepção puramente material e natural, ou seja, sequência infinita e infinitesimal de ocorrências físico-químicas, nada mais – a verdadeira democracia da existência, afinal nada é essencialmente diferente. É talvez o pensamento mais revolucionário, pois exige muita fé para não se deixar cair num indiferentismo barato. O pensamento mitopoético é bonito, mas não é arriscado.

66. A cultura, ao contrário do que diria Adorno ou mesmo Benjamin (em algumas leituras), é o primeiro lugar da barbárie. O que é a MTV senão isso!?

67. O sistema é totalitário em diversas formas, a começar por não excluir nada de si – tudo pode ser comercializado, tudo pode virar mercadoria. É por isso que não há mais "revoluções totais" (estamos a 100 anos da Revolução Russa e ainda fizemos tão pouco como aqueles camponeses esfomeados), há apenas singularidades (as quais não são nem universais, nem particulares – sai, "filosofia"!) que lampejam como vaga-lumes na noite, sugerindo um caminho ou outro, mas nunca ditando ou mostrando definitivamente, senão alusivamente.

68. Lúcifer, aquele que traz a luz – aquele que traz o mal. O mal, portanto, é a luz, é saber, lembremos da árvore de fruto proibido: do saber. Luz é também ver: visão e visível – poder ver e tornar visível, dois aspectos dum mesmo pecado, quer dizer, a aparência, o aparecer, o mostrar, a apresentação. Esse Deus hebraico (sempre eles!) queria a desaparição, o desconhecimento.

69. Há algumas leis para o desenvolvimento do espírito, mas elas ainda permanecem pouco aceitas, não desconhecidas, apenas ignoradas, talvez pela sua simplicidade, ou pela sua força. Mas há motivo para os antigos identificarem a vida do espírito com a vida moral.

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